São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Guerrilheiros agora são empresários

Montoneros aderem aos negócios

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

Sinal dos tempos: guerrilheiros saídos da conturbada década de 70 são agora empresários na Argentina dos anos 90.
Os ex-montoneros Mario Eduardo Firmenich, Rodolfo Galimberti e Dante Gullo tentam, com distintos resultados, se inserir no mercado do país que quer retomar seu crescimento após 40 anos de estagnação e isolamento econômico.
A maior transformação foi a de Galimberti, que hoje é sócio em uma agência de publicidade com Jorge Born, cujo sequestro, há 22 anos, ele próprio comandou.
Galimberti, 49, trocou as roupas negras por ternos. Em vez das surradas camionetes utilizadas para as ações de guerrilha, dirige um Porsche 911 (US$ 120 mil).
E, ao contrário dos 70, ele tem endereço fixo: um apartamento que ocupa um andar inteiro no nobre bairro portenho de Palermo.
"Quem não cometeu erros no passado? Mas não me pergunte se matei, porque me ofende. Fui soldado de uma causa e fiz o que tinha de fazer", afirma o ex-guerrilheiro Galimberti.
Sua aproximação de antigos rivais é criticada pelos ex-companheiros. "Agora, ele está mais interessado em entrar no grande mundo dos negócios do que defender o movimento operário", disse à Folha Dante Gullo, 48.
Membro da cúpula montonera, Gullo também trocou a guerrilha pelo marketing e hoje é dono de uma agência de propaganda.
"Sou um caso raro. Tento me privar de alguns luxos, mas invisto meus lucros na minha carreira política", disse Gullo, que perdeu a convenção dentro do Partido Justicialista (peronista, do presidente Carlos Menem) para a campanha à Prefeitura de Buenos Aires -o partido acabou sendo derrotado.
Sonha, porém, com a eleição para deputado federal no ano que vem. E dispara contra Firmenich, máxima figura dos montoneros, que foi preso, indultado, tentou a vida de empresário e se relançou à vida política.
"Alguns deviam calar a boca, e não tomar para si uma proposta que era coletiva", afirmou Gullo.
A Organização Montoneros surgiu em 1969, com integrantes de várias origens: desde a juventude católica até a peronista, que seguia o ideário do então exilado ex-presidente Juan Domingo Perón.
Com o tempo e os acontecimentos, os montoneros se aproximaram de uma linha mais próxima ao marxismo, com a incorporação de facções de outros grupos de guerrilha.
Sociedade
Em 20 de junho de 1975, depois de nove meses de cativeiro, Jorge Born foi liberado pelos montoneros mediante o resgate de US$ 60 milhões, mais US$ 1,2 milhão em alimentos a serem distribuídos em bairros pobres.
Obrigaram também a multinacional Bunge & Born a colocar em suas empresas bustos de Perón e de sua segunda mulher, Eva Duarte, a "Evita".
Não foi só o dinheiro que saiu da Argentina. O sequestrado Born se mudou para São Paulo, em 1975, de onde comandou a empresa e seus investimentos no Brasil.
Depois do golpe militar de 1976, foi a vez do sequestrador Galimberti sair em direção à França.
O reencontro aconteceu no início dos anos 90, quando Born retornou à Argentina.
Galimberti deu pistas para a polícia recuperar cerca de US$ 15 milhões do resgate pago pelos Born.
Em 1991, Born foi substituído na presidência da Bunge & Born e decidiu investir, por conta própria, em agropecuária e na Bolsa de Valores. Foi nesse momento que Galimberti começou a aparecer ao seu lado, apresentado como seu secretário de relações públicas.
Neste ano, abriram em sociedade a Hard Communication, dedicada ao marketing estratégico.
"Agora compro coisas que antes não podia ter. Mas eu preferiria ser mais pobre e viver em um país mais rico", afirma Galimberti, que ainda acumula a função de representante de vendas da Giat, fábrica francesa de armas.

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