São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Lições do sexo solitário

GILBERTO DIMENSTEIN

Uma empresa de Nova York, a Netstar, produz um novo tipo de prazer sexual, cobrando US$ 5 por minuto.
O indivíduo recebe em sua tela de computador imagens de uma mulher e passa a comandá-la como se fosse um diretor de cinema. As ordens são digitadas no teclado e lidas pela mulher também diante de um computador. As imagens delas são transmitidas ao vivo por uma câmera. Avançado? Nem tanto.
Já está em fase de teste uma roupa que reproduz a sensação de toque humano. Vestido nela e usando um capacete, o indivíduo simula fantasias, numa versão informatizada do sexo solitário.
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O sexo virtual ameaça dinamitar empregos no bilionário mundo da pornografia, mas empresas como a Netstar também não estão tranquilas. Serviços semelhantes se espalham por vários países, e qualquer um é capaz de acessá-los ao preço de uma chamada local. Não é futuro: loiras oxigenadas americanas já competem com loiras esculturais de estúdios iguais instalados na Suécia, Dinamarca ou Holanda.
Esse ambiente de feroz competição sem fronteiras, estimulado por novas tecnologias, inspirou o livro "Só os Paranóicos Sobrevivem", escrito por um dos paranóicos mais importantes no mundo da alta tecnologia.
Ele se chama Andrew Grove, é professor de administração de empresas em Stanford, presidente e fundador da Intel, maior fabricante do mundo de chips para computador.
É um dos raros casos de professor que sabe como ganhar dinheiro.
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Ao testemunhar a crescente rapidez com que negócios e empregos surgem e desaparecem, ele se convenceu de que, para manter a liderança, hoje, é preciso ser paranóico, ter a permanente sensação de ameaça.
Sua dica vale para empresários e trabalhadores. Ambos devem ficar sempre atentos às funções que desaparecem. A reciclagem virou obrigação. O trabalhador deve planejar sua carreira como o empresário planeja seu negócio.
O segredo, segundo ele, é encontrar o "ponto de inflexão" -o momento certo de mudar, evitando o naufrágio.
Os bancários, por exemplo, sabem quantos empregos custa um caixa automático; batalhões de secretárias perdem diariamente importância porque novas funções acopladas ao telefone executam suas tarefas; diminuem as vagas na indústria. Máquinas substituem homens e mulheres.
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No livro "Sociedade de Alto Risco", o editor da revista "Business Week" (uma das mais importantes publicações de economia do mundo), Michael Mandel, defende idéia parecida.
Economista formado em Harvard, Mandel acha que, nos dias de hoje, com a redução das fronteiras e mais as inovações tecnológicas, os riscos de um fabricante de roupa ou de um especulador financeiro são iguais. O sujeito começa a fabricar camisa e, no dia seguinte, já aparece alguém na China ou na Índia produzindo maior quantidade e a menor preço, a um custo social enorme.
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Apesar do ambiente competitivo que toma conta do mundo, no Brasil ainda estamos discutindo como fazer avaliação do ensino superior, com professor universitário se aposentando aos 50 anos e professora primária ganhando menos de três salários mínimos. É o resultado do casamento, bem-sucedido, entre descaso, incompetência, ignorância e preguiça.
No nosso país, por enquanto, os idiotas sobrepujam os paranóicos.
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Especialmente triste é o fato de que idéias exemplares e bem-sucedidas na área de educação não recebam apoio da sociedade. A Fiesp já avisou que não vai mais financiar os programas educativos infantis da TV Cultura, mundialmente aplaudidos e premiados e que têm boa audiência. É um dos poucos exemplos brasileiros em que a televisão está a serviço da democratização do saber.
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Merece elogios a iniciativa da TV Globo de criar um programa, com a extraordinária Regina Casé, sobre as melhores escolas do Brasil. Ótima idéia. Pena que num horário quase clandestino, sábado às 7h30. Os horários nobres continuam reservados aos lixos culturais que as televisões derramam sobre as crianças.
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O país tem uma dívida com o PT. A bolsa-escola, implantada em Brasília, foi premiada semana passada pelo Unicef (fundo das Nações Unidas para a infância) e servirá de modelo para programas federais. É uma luz apontando para o caminho da redução da miséria e do fortalecimento da democracia e da cidadania.
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PS - Quem tiver interesse em ler trechos do livro de Andrew Grove deve digitar http://www.bdd.com/currency. Ele é especialmente interessante para os empregados, fortalece a mensagem de que o trabalhador nunca mais pode parar de estudar.

E-mail gdimen@gnn.com.

Fax (001-212) 873-1045

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