São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Falta de juízo, sim!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O projeto de lei que legaliza o jogo no Brasil passou pela Câmara dos Deputados e chegou ao Senado Federal. Depois de várias emendas, ele deixa para os Estados a decisão de abrir ou não abrir os cassinos e outras modalidades de jogo. O Poder Executivo Federal ficaria apenas com o "controle" da jogatina.
Os defensores do projeto continuam arrolando argumentos que as pesquisas desmentem. William Edington, um economista do Estado de Nevada, nos Estados Unidos, aproveitou os cassinos de Las Vegas e realizou vários estudos que questionam profundamente os argumentos arrolados pelos que são a favor do jogo.
1) Diz-se que o jogo incentiva o turismo e cria empregos. Ocorre, porém, que o jogo nunca vem sozinho. Frequentemente ele é acompanhado pela droga, prostituição, crime organizado e corrupção -policial, judicial e política. O eventual efeito gerador de empregos tem de ser contrastado com os efeitos desagregadores do jogo -o que exige recursos que são drenados de empreendimentos que poderiam ser realizados em setores que geram empregos sem detonar os referidos efeitos colaterais.
2) Argumenta-se que o jogo é praticado por quem tem muito dinheiro e, por isso, não afeta os pobres. Essa é uma outra falsidade. Os estudos sobre as casas de jogo mostram que, em relação à sua renda, os que ganham menos são os que mais jogam. Eles são também os mais assíduos frequentadores dos cassinos e os mais imprudentes no ato de jogar -o que sempre repercute na sua vida pessoal e familiar. Sim, o jogo afeta os pobres, e muito!
3) Advoga-se que a legalização do jogo daria ao governo os impostos que hoje são perdidos pelo fato de as jogatinas serem ilegais. Isso também é falso. Os recursos que o Estado gastaria com policiamento, justiça, encarceramento, tratamento de drogados e combate à prostituição superariam em muito o que ele poderia arrecadar com as casas de jogo, lembrando-se ainda que os crupiês e bicheiros não são imunes à sonegação.
Um fato é certo. O jogo engorda os bolsos dos donos dos cassinos e dos banqueiros do jogo do bicho. Eles são os únicos que ganham com essa prática. Todos os demais perdem e a sociedade como um todo perde mais ainda. O jogo deixa para trás uma série de problemas que dilaceram as pessoas e custam muito para ser contornados.
No Brasil já há fortes indícios desses problemas. Todos se lembram dos bicheiros que foram flagrados guardando cocaína nos seus cofres-fortes. Todos se recordam da lavagem de dinheiro que parlamentares ligados à Comissão de Orçamento da Câmara Federal vinham fazendo por meio de procedimentos escusos de compra de bilhetes premiados da Loteria Federal.
O jogo não escolhe suas vítimas. Quem dele se aproxima é atingido em cheio. Uns perdem dinheiro; outros perdem a moral, a dignidade, a ética do trabalho e até a saúde.
O Brasil tem problemas mais sérios para se preocupar. Não há porque perder tempo com jogo numa hora destas. Quando se fala em droga, lembramos que o país anda na maior crise policial de sua existência, procurando saber de onde e por quem ela é trazida ao nosso país. Essa me parece ser uma missão bem mais nobre para os senhores senadores da República Federativa do Brasil.

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