São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Em defesa dos desquitados

ALESSANDRA BLANCO

Priscila Corrêa da Fonseca consegue pensões de até R$ 40 mil e provoca medo em ex-maridos e ex-mulheres
"Jamais gostaria que a Priscila estivesse contra mim em um divórcio. Teria um infarto
"Não comecei pegando só casos grandes ou de pessoas com dinheiro. Ainda pego casos de pessoas que não podem me pagar"
"Vou para a Priscila." Se você é solteiro ou tem um casamento feliz, essa frase realmente não deve ter significado algum. Mas, para quem está pensando em se separar ou já enfrenta um processo de divórcio, mais do que uma ameaça, a simples menção do nome Priscila virou motivo de pavor.
A advogada paulistana Priscila Corrêa da Fonseca, 47, é considerada hoje a última arma utilizada por ex-maridos ou ex-mulheres na conquista de seus "direitos" no final de um casamento, quando essa conquista vira quase uma declaração de guerra.
Bonita, solteira, apaixonada por ópera, culinária, vinhos e cachorros. É difícil entender o que faz a advogada causar tanto medo.
Não quando se conversa com ela por apenas cinco minutos: "Sou briguenta, ativa e enérgica e gosto de tudo muito rápido. Não sei esperar. Esse é o meu maior vício e o que mais detesto nos outros é a lentidão", vai logo avisando a quem entra em seu escritório.
Outro motivo é o seu currículo de divórcios. Priscila ficou famosa na década de 70 quando conseguiu reverter um divórcio que dava à mulher a guarda dos filhos do casal.
"Consegui tirar a guarda das crianças da mãe e passar para o pai. Além disso, consegui que a mãe só pudesse ver as crianças dentro do salão paroquial de uma igreja, uma vez por semana, desde que na frente de uma assistente social", conta a advogada.
O que essa mãe fez de tão grave? "Pode ter certeza de que foi algo muito sério. O homem só consegue a guarda dos filhos quando a mulher se envolve com drogas, alcoolismo ou em caso de violência e maus-tratos às crianças. Nem mesmo prostituição ou homossexualismo determinam tal medida", afirma.
Casos difíceis
Em seu primeiro caso de divórcio, Priscila defendeu um marido que era acusado pela ex-mulher de diversos assassinatos e tentativas de homicídio. No final, conseguiu um bom acordo "para ambos", como costuma dizer, sem precisar tratar do lado criminal.
Ainda nessa linha de casos "mais graves", houve também um divórcio que envolvia infidelidades de uma mulher, considerada da alta sociedade, com o motorista da família na frente dos filhos e com a participação das crianças.
Mas não foram exatamente esses casos que a tornaram "a rainha do divórcio". Com uma clientela bastante elitista, pensões de R$ 40 mil, recuperação de dinheiro em contas bancárias no exterior e divisões de bens generosas se tornaram a sua especialidade.
E é nesse aspecto que Priscila é considerada uma arma. Para garantir os direitos de seus clientes ela monta dossiês, descobre contas no exterior, pede para ser feita uma intervenção na empresa do ex-marido (ou ex-mulher) e, se for preciso, procura a Receita Federal para provar que o outro dispõe do dinheiro que afirma não ter.
Divisão de bens
"Todos os homens estão falidos ou em péssimas condições financeiras na hora do divórcio. Então, eles apresentam balanços da empresa, que sabemos que não mostra a real situação, dizem que não têm nada, e a Mercedes que estão usando é sempre de um amigo. Para provar que estão mentindo, peço para ser feita uma perícia em suas empresas", diz.
Qualquer pessoa que entre em seu escritório atrás de seus serviços para um divórcio recebe a mesma recomendação: se for uma mulher, antes de entrar com o processo para o divórcio deve procurar provas de contas bancárias no Brasil e no exterior, extratos de cartão de crédito, provas de padrão de vida, como escritura de bens, certificado de propriedades, passaportes e fotografias de viagens.
Já os homens recebem orientação de fazer exatamente o contrário: não depositar todo seu rendimento em uma conta que a parceira tenha conhecimento, usar a conta de uma terceira pessoa e colocar os bens em nome de terceiros.
Contas no exterior não são problema, desde que o cliente tenha conhecimento de sua existência. "Já consegui que o juiz mandasse um ofício para o banco para saber a quantidade de dinheiro que havia na conta e, então, bloqueá-la."
E até mesmo os casos daqueles que não têm qualquer noção do patrimônio do ex-marido (ex-mulher) têm solução: "Nessas situações, peço para oficiar todas as instituições financeiras do país para saber o que a pessoa tem. Inclusive, vou estudar o seu imposto de renda", diz Priscila, o que, é claro, acaba levando a um acordo.
Ética
Antiético? Não exatamente. "A Priscila vai até o final, não perdoa. Ela sempre age de uma forma correta. Os meios que usou até agora são absolutamente lícitos, é que são meio duros", afirma o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, seu ex-sócio e ex-secretário da Justiça do governo Fleury (leia texto à pág. 14).
"Às vezes é preciso ir com certa parcimônia: não se pode defender muito uma posição que possa colocar em risco a relação com as crianças", diz o diretor da Faculdade de direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), Álvaro Villaça Azevedo.
Priscila diz que apenas se arma de todas as formas para não haver riscos de seus clientes serem deixados na mão. Utiliza sim de todas as técnicas e artifícios que lhe são permitidos. "Mas sempre com bom-senso", afirma.
Bom-senso inclusive para recusar casos em que não acredita. "Recuso casos quando entendo que a pretensão não é legítima (ou seja, quando a pessoa quer o que não lhe é de direito) e quando envolve uma disputa ilegítima pelos filhos gerada por outros interesses que não o bem-estar das crianças."
Fama de durona
A prova de que suas técnicas dão certo é que, agora, a maioria dos telefonemas recebidos em seu escritório é de homens ou mulheres que estão pensando em se separar e já querem reservar um horário com ela para não correrem o risco de tê-la como a advogada adversária.
"Jamais gostaria que a Priscila estivesse contra mim em um caso de divórcio. Acho que teria um infarto se isso acontecesse. Ainda bem que a procurei antes de minha ex-mulher", diz o agropecuarista João Gomes Barbosa, 54, que encerrou há poucos meses um caso de divórcio litigioso tendo Priscila como sua advogada.
"Já conhecia a fama dela. Quando cheguei na minha cidade e vi que minha ex-mulher tinha bloqueado todos os meus bens por causa da separação, procurei a Priscila. Foi uma longa briga, tive de ceder em muita coisa por orientação da própria Priscila, dividi todos os meus bens. Minha ex-mulher ficou com dois dos meus filhos, eu fiquei com a minha filha. Mas saí satisfeito", disse.
Já o corretor de valores Ricardo Thompson, 47, foi praticamente obrigado a recorrer à Priscila.
"Tinha acertado com um outro advogado quando alguém do escritório da Priscila me ligou dizendo que minha mulher a havia contratado para fazer o divórcio. Já conhecia a Priscila e fiquei apavorado, desesperado. Na hora, pensei: 'Agora estou morto, ela vai tirar até o que não tenho'."
Thompson resolveu então procurar um advogado que é um amigo comum, seu e de Priscila, e pedir sua interferência. "Marquei um horário no escritório dela. Acabei resolvendo abandonar meu advogado e ela cuidou de tudo. Em uma semana estava resolvido. Ela impõe respeito e medo, domina as reuniões, é até mais agressiva do que muitos advogados homens que conheço. Mas também acalma a situação e obriga os dois a cederem", disse.
Sua ex-mulher, a gerente da loja Daslú, Maria Cândida Zarvos Mendes Pereira (Kanduxa), concorda. "Ela é muito prática, resolve tudo rápido. Os ex-maridos ficam nervosos. O meu ficou apavorado, mas ela é bastante justa", disse.
No entanto, nem sempre os clientes saem tão satisfeitos com o seu trabalho. Priscila faz hoje 35 divórcios consensuais por ano e mais ou menos o dobro de divórcios litigiosos e diz que nunca os clientes saem completamente de acordo com o resultado do seu trabalho.
"Eles sempre querem mais. Nessa semana, consegui para uma cliente um apartamento que ela não tinha direito e ela reclamou que teria de pagar R$ 80 de uma taxa qualquer. Outro caso, um litigioso bastante complicado, acabou com uma briga sobre quem iria ficar com o papagaio", conta Priscila. "É por isso que os divórcios acabam levando anos."
Trajetória
Para cuidar de todos os casos que aparecem em seu escritório, Priscila conta com uma equipe de cinco advogados, sete estagiários e a ajuda de uma secretária, um chofer e uma fiel empregada.
Além dos divórcios, ela ainda é especialista em direito comercial, assunto sobre o qual também dá aulas na Faculdade de direito da USP há dez anos.
"Na verdade, nunca pensei em fazer direito, mas acabei caindo nessa área. No último dia de aula do colégio, tive uma aula vaga, fui olhar uns prospectos, vi que para prestar direito na PUC não precisaria estudar, prestei e passei. Nada foi planejado", disse.
Desde então, tudo foi acontecendo: estágios na área cível, contratação, escritório em sociedade e seu próprio escritório, também há dez anos.
"Não comecei pegando só casos grandes ou de pessoas com dinheiro. Isso foi acontecendo conforme o número de casos foi crescendo e eu tive de selecionar. Mas ainda pego casos de pessoas que não podem me pagar, desde que seja um caso que me interesse."
Honorários
Não se pode dizer que os honorários de Priscila são muito acima de seus colegas advogados. Ela nunca discute preço em uma primeira consulta, quer antes saber "o rolo em que vai se meter". Então, define uma quantia de três a seis pensões, em média.
Como sua fama surgiu exatamente por conseguir quantias elevadas para as pensões, seus honorários são equivalentes. E também suficientes para manter uma casa na praia, um apartamento de quatro quartos nos Jardins, três carros, um deles um jipe Cherokee, com chofer, e pelo menos quatro viagens anuais ao exterior.
Dia-a-dia
Mesmo com 12 pessoas a seu dispor no escritório, Priscila se ocupa diariamente de cada um dos casos. "A primeira coisa que faço todas as manhãs é ligar para meus advogados e dar instruções", diz. Depois disso, vai dar aulas na faculdade duas vezes por semana ou fazer ginástica (três vezes por semana).
"O cabeleireiro vai em casa porque não tenho tempo", diz. E até suas compras de roupas são feitas pelo chofer, que vai às lojas pega algumas peças, leva para experimentar e depois devolve o que ela não gostou.
Lazer? "Detesto ter horário no final de semana, então, vou para minha casa na praia. Adoro música, tenho mil videolasers e mil CDs. Adoro ópera, viajo quatro vezes por ano para assistir várias óperas. Adoro cozinhar, tenho uma biblioteca gastronômica. Adoro vinhos, tenho uma boa adega. Adoro cachorros, tenho cinco. E adoro namorar, o que não me faz pensar em casamento", resume rápido, como sempre.
O futuro, ela diz que ainda vai decidir, aos 55 anos: "Sempre disse que iria casar aos 55, mas acho que já fui muito influenciada pelos divórcios. Não vou parar de trabalhar, mas quero algo paralelo: uma fazenda, montar uma escola, um canil. Tenho oito anos para decidir."

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