São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
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'Romeu e Julieta' sertanejo devolve Suassuna ao teatro

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ariano Suassuna volta a São Paulo nos dias 5 e 6 de dezembro, no teatro Brincante de Antônio Nóbrega. São duas "aulas-espetáculos" do escritor e secretário da Cultura de Pernambuco, como as que lotaram, ano passado.
Junto com ele, para uma apresentação no dia 7, vem o Conjunto Romançal de Câmara, que dá continuidade ao movimento Armorial dos anos 70. E esta semana estréia a peça "Torturas de um Coração" (leia texto ao lado).
Mas a grande notícia é que Ariano Suassuna voltou a escrever para o teatro. Quinta-feira passada, em Recife, fez a sua estréia a peça "A História do Amor de Romeu e Julieta". A direção é do sobrinho Romero de Andrade Lima.
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Folha - O movimento Romançal é uma sequência do Armorial?
Ariano Suassuna - De certa maneira, é um aprofundamento. Não é uma repetição, porque apresenta novidades. Por exemplo, a gente, no grupo Armorial, usava instrumentos que são usados pelo povo, como marimbau, que era uma recriação do berimbau de lata, como o pífano e a rabeca.
No Romançal nós estamos procurando mais os instrumentos tradicionais. A opinião minha e de Antônio José Madureira, que é o líder do grupo, é que o papel didático do movimento Armorial foi cumprido.
A gente agora está procurando se aproximar do som do Armorial, mas com os instrumentos tradicionais, a fim de facilitar a execução por grupos até de fora.
Folha - O que levou a escolher esse nome, Romançal?
Suassuna - Eu sou muito apegado com esses nomes, você sabe disso. Na primeira fase da recriação da Península Ibérica, que os romanos invadiram, criou-se um dialeto que era chamado romance, uma deturpação do nome romano.
O romance era aquele latim vulgar, mal falado pelos povos chamados bárbaros. Você até encontra nos depoimentos da Inquisição, posteriormente, "fulano vendia a 'Bíblia' em romance", o que era proibido, era considerado sinal de judaísmo.
Naquele primeiro momento, então, você tem uma poesia erudita escrita em latim e uma poesia popular escrita em romance. Aqueles romances ibéricos, aquelas poesias narrativas ibéricas eram chamadas poesias em romance e daí ficaram sendo chamadas de romance, nome que depois foi estendido a toda narrativa, inclusive em prosa.
Eu sou muito apegado com os países mediterrâneos, então eu uso muito os nomes ligados à palavra romance para aplicar à arte que nós queremos praticar aqui.
Folha - Escrevendo sobre o movimento Romançal, você falou da aproximação com outras culturas, de origem latina também.
Suassuna - É, principalmente na Península Ibérica, mas também a Provença, a Sicília. É porque eu acho que este é um momento muito importante.
Às vezes, as pessoas até me entendem errado, eu já li gente dizendo até que eu gostaria que a Idade Média voltasse. Eu não quero. Mesmo que quisesse, tempo nenhum volta.
Isso foi uma ilusão romântica. Os românticos do século 19 tentaram ressuscitar a Idade Média, mas nem conseguiram nem haveria maneira de conseguir.
O que eu digo é que dou muita importância aos elementos medievais sobreviventes na cultura brasileira, porque isso existe. Se você assistir à cavalhada de Pirenópolis, por exemplo...
Folha - De Goiás.
Suassuna - Aquilo é uma sobrevivência medieval. Existem várias, inclusive na literatura e na música. Eu quando menino cantei vários romances, que eu não sabia, mas eram romances ibéricos sobreviventes aqui.
Existe um romance chamado "A Donzela que Foi à Guerra", que para nós brasileiros é muito importante, porque serviu de inspiração a Guimarães Rosa para escrever o "Grande Sertão: Veredas". É a história de uma moça que vai à guerra, que vai lutar, como o personagem dele, Diadorim.
Aqui em Recife existe uma poetisa, e a mãe dela canta esse romance ainda hoje. São romances medievais, ibéricos, que ainda permanecem vivos na memória coletiva do povo nordestino, aliás, do povo brasileiro em geral.
Folha - Ao mesmo tempo em que o sr. traz o movimento Romançal, a reafirmação da cultura medieval, inclusive nas "aulas-espetáculos", o sr. trabalha com o que há de mais tecnológico, contemporâneo, como nas suas adaptações das peças para a televisão.
Suassuna - Eu não acho que haja contradição, sabe por quê? Porque é um processo de comunicação. Quer dizer, eu procuro recriar as coisas que me tocam, mas no processo de transmissão eu acho que, quanto maior número atingir, melhor.
As pessoas às vezes criam a respeito de mim uma imagem de que, por exemplo, eu sou inimigo da televisão. Eu não sou, acho uma coisa extraordinária. Agora, depende do que ela comunica.
O motivo principal das minhas divergências com a televisão, em relação ao meu trabalho de escritor, é porque queriam que eu mudasse. Queriam que eu mudasse o meu modo de ser, de escrever. Aí é que eu não vou admitir.
Mas, no momento em que eu encontrei um diretor como o Luís Fernando Carvalho, que respeita o meu modo de ser, eu não tenho nada contra, pelo contrário.
Folha - Quanto às "aulas-espetáculos", o sr. traz algo de novo em relação ao ano passado?
Suassuna - Eu estou pensando, para não repetir eu vou dar duas aulas novas, a primeira sobre o trágico e o dramático e a segunda sobre o cômico, examinar do ponto de vista estético as três categorias. E vou dar exemplos com obras do romanceiro popular.
Folha - O sr. poderia adiantar algum deles?
Suassuna - Tem um folheto chamado "O Romance de Romeu e Julieta", em verso. É uma versão aqui absolutamente diferente. É curioso, você vai ver. É completamente diferente da de Matteo Bandello, que inspirou Shakespeare, e da do próprio Shakespeare.
O sertanejo olha de um ângulo diferente. Nós estamos estreando a adaptação dessa história do amor de Romeu e Julieta, que eu fiz para teatro e que nós ensaiamos com a direção de Romero de Andrade Lima. Ele está fazendo uma beleza de direção. Está muito bonito.
Folha - É a primeira peça do sr. desde 88, não é?
Suassuna - É. Eu queria mostrar essa versão. É uma versão curiosíssima da história de Romeu e Julieta, porque, inclusive, diferentemente de Matteo Bandello e Shakespeare, o poeta sertanejo não concorda com a opção de Romeu.
No sertão, o elemento familiar é mais importante, a família é mais importante do que o indivíduo. Então, ele acha que Romeu fez um opção egoísta, mesquinha, optando pela sua realização pessoal, pela realização do seu amor, traindo a família. É curioso, não é? O folheto se chama "O Romance de Romeu e Julieta" e na peça eu coloquei "A História do Amor de Romeu e Julieta".

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