São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
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Ciclo expõe exílio judeu na América Latina

MURILO GABRIELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA'

"O ódio entre as classes e o ódio entre as raças, essas plantas venenosas da Europa, ainda não criaram raízes por aqui..." Assim escreveu Stefan Zweig em 1940 no livro "Brasil, País do Futuro".
O escritor austríaco resumiu o que esperavam encontrar na América os judeus que fugiam do nazismo nas décadas de 30 e 40.
A trajetória e os sonhos desses emigrantes serão mostrados a partir de hoje no ciclo "Imagens do Exílio" -promovido pelo Instituto Goethe, Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo e Centro Cultural São Paulo.
A programação abarca debates e palestras (leia texto ao lado), uma mostra de 25 filmes (produções americanas da época da Segunda Guerra e documentários alemães que serão exibidos a partir do dia 26) e três exposições iconográficas.
E são as exposições o ponto central do ciclo. Elas serão abertas nesta quinta-feira, às 19h, no Centro Cultural São Paulo, onde permanecem até 18 de dezembro, com entrada franca.
A primeira -"Stefan Zweig - Um Austríaco da Europa"- utiliza fotos e reproduções de manuscritos para recriar a vida do autor, de seu nascimento em 1881 a seu suicídio, em Petrópolis, em 1942.
As fotografias de "A que Distância Fica Viena?" mostram o destino de 300 dos 12 mil austríacos que fugiram do nazismo para a América Latina.
Refúgio no Brasil
O maior destaque fica, porém, para "Brasil, um Refúgio nos Trópicos", que reúne 250 imagens -entre fotos, reproduções de documentos e obras de artistas plásticos- relacionadas à emigração para o Brasil.
Será lançado, também na quinta, o catálogo dessa última (editora Estação Liberdade, 256 páginas, R$ 27), de autoria de Maria Luiza Tucci Carneiro -professora de história da USP e curadora da exposição- e Dieter Strauss -diretor do Instituto Goethe.
Na primeira parte de "Brasil, um Refúgio nos Trópicos", mostra-se o início da perseguição aos judeus na Alemanha. Na segunda, as rotas e os artifícios utilizados para a fuga. Na terceira parte, explora-se a chegada e adaptação dos imigrantes ao Brasil.
Na quarta, Maria Luiza apresenta uma lista de intelectuais europeus -alguns não-judeus- que se radicaram no Brasil à época, como os artistas plásticos Erich Brill, Fayga Ostrower e Frans Krajcberg, os tradutores e ensaístas Herbert Caro, Otto Maria Carpeaux e Paulo Rónai, e o ator e diretor teatral Zbigniev Ziembienski.
Já na introdução do catálogo, Maria Luiza apresenta definição que norteia seu trabalho: trata os judeus foragidos por refugiados e não por exilados, pois que eles não tinham pretensão de voltar -talvez nem tivessem para onde voltar- e queriam fazer do Brasil um novo lar.
Se, como disse Zweig, os refugiados não identificavam racismo em seus novos compatriotas, é da opinião de Maria Luiza que eles foram vítimas de uma espécie de "anti-semitismo institucional" promovido pela ambígua política do governo Getúlio Vargas.
A autora apresenta farta documentação sobre os entraves e medidas protelatórias criados pelo Estado Novo para impedir a entrada de judeus no país.
Além disso, uma vez legalizada sua situação, eram os judeus alemães e italianos muitas vezes identificados como espiões do Eixo.
Mais do que medo, essa prática contribuía para aumentar a crise de identidade dos foragidos.
"Os judeus italianos e alemães eram os mais integrados à sociedade de seus países", explica Maria Luiza. "Alguns dos italianos eram fascistas até que Mussolini instalasse o anti-semitismo oficial."
O nazismo transformou-os em apátridas. Quando chegavam ao refúgio, porém, era exatamente a nacionalidade de que haviam sido obrigados a abrir mão que lhes trazia problemas.
Sem direito a um passado como europeus, os foragidos saíram em busca de suas raízes judaicas, ironicamente motivados pelo nazismo.

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