São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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O novo Estado brasileiro - 1

LUÍS NASSIF

Na década de 80, com exceção da Teoria da Integração Competitiva, desenvolvida no âmbito do BNDES (que serviu de base para a abertura econômica do governo Collor), e do modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), pensado por técnicos ligados ao velho Partidão, a discussão sobre o novo modelo de Estado e de país foi de uma falta de criatividade a toda prova. Criaram-se monopólios de idéias nas mãos de grupos acadêmicos, mais preocupados em assumir espaço junto aos partidos políticos, do que em repensar o país.
Toda energia foi canalizada para alguns parafusos espanados, de fácil compreensão política, e de nenhuma eficácia transformadora -como moratória da dívida externa e reserva de mercado, à esquerda, e ortodoxia monetária e recessão, à direita. No meio, a matéria acadêmica mais valorizada no mercado político e na mídia foi a teoria da inflação inercial, base dos pacotes econômicos que ofereciam aos governantes popularidade eterna, porém finita, e as próximas eleições garantidas (poupe-se dessa generalização o talento genuíno de Pérsio Arida).
Por conta do jogo político e da falta de discernimento da mídia, tal teoria -útil no momento da troca de moeda, mas irrelevante como instrumento de transformações da economia- transformou-se em espécie de pedra de Midas do mercado de idéias.
Âncoras polacas, húngaras, alemãs ou assemelhadas ocupavam mais espaço do que discussões sobre novo modelo da Previdência, fazendo com que a energia criativa dos economistas fosse gasta em discussões recorrentes.
Em compensação, sob a égide da Constituição de 1988 e da abertura econômica de Collor, os anos 90 registraram o mais profícuo debate da história do Brasil sobre os novos modelos de Estado e de país.
Foi esse debate que permitiu que se chegasse, hoje em dia, a um razoável consenso sobre o que deve ser o Estado, a sociedade e a economia brasileira.
Ainda persistem muita desinformação e ideologização do debate. Por exemplo, neoliberalismo virou conceito amplo, espécie de feijoada comunitária, onde cada qual coloca seu adversário predileto.
No que interessa -a definição da ação do Estado e do modelo econômico-, a soma de discussão conceitual mais respostas a problemas concretos permitiu finalmente criar um novo modelo brasileiro de Estado, que está muito longe do Estado neoliberal.
Pode-se taxar o governo de Fernando Henrique Cardoso de inepto, pouco operacional, de ter mantido políticas de câmbio e juros equivocadas e muito mais. Pretender enquadrá-lo numa presumível doutrina neoliberal é desinformação grossa, que -a exemplo do Proer- tem pegado pelo efeito da repetição. É sobre esses temas que nos debruçaremos nos próximos dias.
Dentro do novo paradigma da vida nacional, quais idéias se tornaram hegemônicas nos campos das políticas social, industrial, no federalismo, na estrutura de capital das empresas, nas formas de controle do Estado e assim por diante, e que deverão marcar a vida nacional nas próximas décadas.
É inegável que o Brasil do terceiro milênio já está concebido. Falta apenas desenvolver-se dentro desses novos paradigmas.
ITR
Um a um vão caindo dogmas de 50 anos. A utilização do Imposto Territorial Rural para forçar a venda ou desapropriação de latifúndios improdutivos é bandeira que remontava aos anos 50.
Vale
Por preceito constitucional, a Companhia Vale do Rio Doce destina parte do seu faturamento a projetos nos Estados onde atua. A verba deste ano é da ordem de R$ 25 milhões -ouro puro nesses tempos de Estados com finanças arrasadas.
As verbas vão para obras públicas, mas são faturadas politicamente pelos políticos aliados. E a diretoria da Vale sempre soube agir com competência para se cercar de aliados políticos. Essa soma de alianças fez com que quase todos os diretores fossem mantidos no cargo, após a mudança de governo.
Não é por coincidência que os dois Estados que mais recebem as verbas sociais da Vale sejam Minas e Maranhão. Mais que orgulho e patrimônio nacional, a Vale é instrumento político eficiente de políticos como Itamar Franco e José Sarney.

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