São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Tributaristas vêem falhas no projeto do IR

MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais retrocessos do que avanços, além de muitos aspectos polêmicos. Assim pode ser definido, segundo a opinião de especialistas em tributação ouvidos pela Folha, o projeto de lei do governo alterando o Imposto de Renda das empresas e que foi aprovado na quarta-feira pela Câmara dos Deputados. O projeto vai agora ao Senado.
Para o tributarista Waldir Luiz Braga, da Braga & Marafon, Consultores e Advogados, a legislação tributária deveria ser mais estável no país para facilitar a vida do contribuinte e do fisco.
Com sucessivas mudanças ao final de cada ano, o contribuinte, mesmo não querendo, acaba cometendo erros ao prestar contas à Receita Federal. Para Braga, isso gera disputas judiciais, com ônus para ambos os lados.
"Não vejo muitos avanços no projeto do governo. Haveria avanços se houvesse maior simplificação na lei", critica Braga.
Para a tributarista Elisabeth Libertuci, do escritório Libertuci Advogados, o projeto é antagônico, pois tem, ao mesmo tempo, regras modernas e ultrapassadas.
Como avanço, Elisabeth cita a regra que dá à Receita condições para exercer maior controle sobre os chamados "preços de transferência" -sistemática usada por empresas com atividade no exterior para pagar menos imposto.
O projeto relaciona os métodos que as empresas terão para definir os custos de importação e exportação, comprovando-os perante a Receita. Com isso, a Receita terá maior controle sobre as transações feitas em operações realizadas com subsidiárias e filiais.
Compensação
Para a tributarista, isso vai diminuir o planejamento tributário realizado internacionalmente por meio de superfaturamento ou subfaturamento dos preços cobrados nas importações e exportações.
A escolha de um dos métodos (são três as opções) para definir os custos perante a Receita faz com que o contribuinte assuma o ônus da prova, ou seja, de que a operação está dentro das regras de mercado, afirma Elisabeth.
Isso vai gerar uma maior aproximação entre fisco e contribuinte, o que é positivo, diz ela.
Braga diz que a tarefa deveria caber à Receita. "É uma idéia legítima, mas o fisco não deveria transferir essa tarefa ao contribuinte."
O advogado também critica o fato de que a morosidade da Receita pode prejudicar o contribuinte na compensação de tributos. É que, segundo o projeto, as empresas terão de pedir autorização à Receita para fazer a compensação.
Se por um lado o projeto permite que sejam compensados impostos e contribuições de espécies diferentes, por outro impõe a compensação à autorização do fisco.
Para Braga, a compensação deveria ser feita sem depender de autorização. Nesse caso, "o contribuinte que não agisse nos termos da lei deveria ser punido".
Dedução
Elisabeth faz críticas a alguns dispositivos do projeto que tratam da cobrança de impostos. Para ela, "o fisco quer mais receita sem se importar se está ocorrendo ou não o fato gerador do imposto".
É o caso da dedução de créditos no caso de perdas sofridas pelas empresas. Pelo projeto, para poder deduzir uma perda superior a R$ 30 mil, por exemplo, é preciso que o crédito esteja vencido há mais de um ano e que a empresa continue com a cobrança pela via judicial.
Para a advogada, há casos em que a cobrança se torna impossível pelo fato de não se encontrar o devedor. "A incoerência do projeto é que exatamente pelo fato de não se poder mais cobrar o crédito é que ele deveria ser dedutível."
Outra crítica é sobre a alteração no processo administrativo de consulta. Pelo projeto, as consultas pendentes (que ainda não tiveram resposta) até 31 de dezembro deste ano serão anuladas.
A tributarista diz que as empresas terão até 31 de janeiro de 97 para "renovar as consultas, mas pelas regras novas".
Pressões
Braga diz que as mudanças feitas pelo relator da emenda, deputado Roberto Brant (PSDB-MG), no projeto original do governo, e que foram aprovadas, demonstra que a Câmara aceita as pressões dos setores interessados.
Ele se referia a duas mudanças -a que permitia que as empresas pagassem os tíquetes-refeição em dinheiro e a que equiparava as empresas de "factoring" (que compram cheques pré-datados) às instituições financeiras.
No primeiro caso, Braga critica a mudança. Para ele, o pagamento em dinheiro permitiria que o trabalhador gastasse o dinheiro da forma que considerasse melhor. Hoje, muitos vendem os tíquetes com deságio no mercado paralelo.
Resultado: a empresa gasta R$ 100, o trabalhador recebe R$ 80 e o mercado paralelo fica com R$ 20, exemplifica o tributarista. "Se pagasse R$ 100 (em dinheiro) o trabalhador não perderia nada."
No caso do "factoring", Braga diz que a Câmara acertou. É que, diz ele, tributar mais essas empresas (a contribuição sobre o lucro subiria de 8% para 18%) significaria reduzir o crédito no mercado, aumentando os juros para os pequenos comerciantes, que são os maiores clientes do "factoring".

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