São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Da telinha para a telona

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao contrário do que aconteceu na meca do cinema, que usou de todos os artifícios possíveis para afastar o público daquela baboseira à base de válvulas chamada televisão, alguns cineastas brasileiros foram buscar nela a inspiração para seus filmes.
Fizeram isso não só por que não podiam contar com as novidades americanas como o Vistavision, Cinerama, Todd-Ao e o sensacional som estereofônico, mas também porque, no começo, a TV era vista apenas por uma meia dúzia de escolhidos e demoraria uns bons anos antes de se tornar uma mania nacional, enquanto o cinema, com suas chanchadas carnavalescas estreladas por Oscarito e os filmes urbanos/caipiras de Mazzaropi, sobreviveriam toda a década de 50, imbatíveis como o mais poderoso divertimento popular do país.
Mas, assim como o Cinemascope assombrava os americanos, a TV era a grande novidade do "show business" nacional, portanto, nada mais óbvio do que usá-la como tema.
Em "Rio Fantasia", a namoradinha da Atlântida, Eliana Macedo, vem sabe lá Deus de onde acompanhada pelo Trio Irakitan para tentar a sorte na então capital da República. E vira estrela de TV, imitando Carmem Miranda.
No chamado número de produção do filme, os quatro correm pelo cenário de papelão e neon da produtora carioca, cantando "Hino a Música", que se tornaria tema do programa (de TV) de Chico Anysio pelos próximos 30 anos.
Em "Absolutamente Certo" primeiro filme dirigido por Anselmo Duarte (anos antes de seu sucesso em Cannes com "O Pagador de Promessas"), o próprio faz o papel de um sujeito que se apresenta semanalmente num programa tipo "O Céu é o Limite", onde responde números de telefone, numa direta-indireta mensagem sobre a baboseira daquele tipo de show, supostamente cultural, que de tempos em tempos, volta à telinha.
Mas o melhor e mais ilustrativo exemplo do uso da televisão pelo cinema fica com "Quem Matou Anabela", onde a atriz importada Ana Esmeralda, com seu corpo de bailarina espanhola e seu carão de Gina Lollobrigida em versão catalã, faz o papel de uma estrela de TV que é supostamente assassinada, num dos melhores filmes dos anos 50.
Para se ter uma idéia, a maioria das externas são feitas nos jardins da TV Record de São Paulo antes da mesma se tornar igreja, e suas câmeras são referência obrigatória quando o elenco se desloca pelos bastidores da emissora.
Um publicitário chega do nada anunciando a estrela que ela fará o comercial do "Óleo Gostoso". Enquanto ela dizia "Mulher gostosa usa óleo Gostoso", mostrava, de uma forma um tanto quanto vulgar, o desprezo que o público sentia pelos infinitos intervalos comerciais.
Num determinado ponto, a tela mostra caracteres onde se lê "Anabela em Malageña de Lecuona". E aí fica o melhor registro de como era a TV dos primeiros anos: isto é um interprograma, tão citado por Mario Fanuchi em seu livro "Nossa Próxima Atração".
Não contentes em jogar na mão da platéia a idéia da televisão, o filme ainda ridiculariza o próprio cinema, mostrando um diretor da "Mariscruz" (referência a "Maristela", produtora do filme, e da "Vera Cruz", sua maior rival) como um idiota italianado que não entende nada de estrelato.
Para completar, o filme traz um elenco "all star" da época: Procópio Ferreira e Jayme Costa (num verdadeiro duelo de titãs), Ruth de Souza (ironicamente, uma estrela da Vera Cruz), Carlos Zara (tão jovem que dá a impressão que está trazendo o diploma da faculdade de engenharia e os diálogos do filme na mesma pasta) e Nídia Licia, como Ilda, tão ou mais bonita que a Ilse de Ingrid Bergman, quase o mesmo nome, em "Casablanca".
Agora levante-se, vá até a videolocadora mais próxima, pegue esses filmes e veja na sua TV o que era a TV dos anos 50.

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