São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 1996
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Uma mudança polêmica

CELSO PINTO

O projeto que muda o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, já aprovado na Câmara, traz uma novidade pouco discutida, mas de impacto, que promete muita polêmica: acaba com todas as isenções e reduções no pagamento de Imposto de Renda (IR) em vários tipos de operações externas.
Isso quer dizer que, teoricamente, vai ficar mais caro captar dinheiro externo sob várias formas ou exportar, já que várias despesas hoje isentas passarão a ser tributadas. O que parece contraditório com todo o esforço recente do governo de atrair mais dólares e aumentar as exportações, inclusive pela redução de impostos (o IOF no caso das captações e o ICMS no caso das exportações).
A Receita Federal, autora da medida, diz que isso não acontecerá. Paulo Baltasar, coordenador de Tributação da Receita, argumenta que o fim da isenção apenas vai transformar imposto hoje cobrado no exterior em imposto recolhido aqui.
Por exemplo: quando alguém faz uma operação isenta de IR no Brasil, ela se transforma em receita para alguém no exterior. Sobre esta receita, este agente externo vai estar pagando IR em seu país.
Digamos que ele seja tributado em 40% lá fora. Se nessa operação houvesse o pagamento de IR de 15% no Brasil, o pagador brasileiro poderia combinar com quem recebeu o dinheiro no exterior o seguinte: como ele vai ter que pagar de qualquer forma 40%, poderia usar um recibo do pagamento de 15% de IR no Brasil para abater dos 40%. Acordos de bitributação, ou entendimentos firmados há tempos, permitem que haja esta compensação com os principais parceiros.
No final, dos 40% totais de impostos pagos no exterior, 15% teriam ficado no Brasil. Não haveria nem aumento na carga do imposto, nem encarecimento da operação do Brasil para o exterior. Haveria apenas a apropriação, aqui, de uma parte do imposto. Essa foi, segundo Baltasar, a lógica por trás da medida. As isenções do IR só foram mantidas para dois casos: órgãos do governo (porque seria redundante) ou operações com órgãos governamentais no exterior (porque há acordos).
No mercado e entre advogados, contudo, existem dúvidas sérias sobre essa lógica.
O projeto atinge, por exemplo, bônus e notas emitidas por empresas brasileiras no exterior com prazo superior a oito anos, cujos juros estavam isentos do IR de 15%. O Conselho Monetário Nacional concedeu, no passado, essa isenção, e o projeto retira esse poder do CMN.
Baltasar diz que a Receita considera que, com isso, some a isenção em novas emissões e são mantidas as já aprovadas no passado.
Existem duas razões para dúvidas, argumenta Nicholas Reade, diretor-gerente do banco de investimentos Bear Stearns. Não há como negociar com investidores pulverizados a troca de parte da rentabilidade do papel por um recibo de pagamento de IR no Brasil.
Além disso, o IR incide sobre o juro total do papel (algo em torno de 10%, hoje), e a margem de lucro do banco e/ou investidor é uma fração desse lucro, algo entre 1,5% e 2%. Portanto, a instituição acaba taxada sobre uma parcela menor do que o IR recolhido no Brasil -não há nada a deduzir. Alguns investidores, como fundos de pensão e fundos mútuos, não pagam IR. Outros, como pessoas físicas com dinheiro no exterior, também não.
Antonio Felix de Araújo Cintra, advogado da Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, lembra outra razão. É praxe em vários tipos de contratos com o exterior incluir uma cláusula de "gross-up", onde se garante o pagamento de uma quantia líquida. Se houver algum imposto, o pagador brasileiro tem que elevar o valor bruto o suficiente para gerar o mesmo resultado líquido.
Pelas mesmas razões, seria igualmente difícil negociar a compensação do IR em outras operações atingidas pelo projeto. Entre elas: 1) o desconto na negociação de cambiais de exportação; 2) operações de arrendamento mercantil ("leasing") de bens de capital; 3) despesas e comissões pagas em operações de lançamento de ações no exterior (as ADRs); 4) despesas dos exportadores com agentes no exterior e promoção de exportações.

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