São Paulo, sábado, 30 de novembro de 1996
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Brasileiro pacificador

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A realização, esta semana, em Brasília, de exposições e debates a respeito do Mercosul tem traço de especial importância na iniciativa do Poder Judiciário, por meio do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a mais alta corte judicial do direito comum em nosso país, sob a presidência do ministro Bueno de Souza. O engajamento do Judiciário é fundamental para implementação e compreensão das novas necessidades jurídicas supranacionais, nascidas com a criação do mercado comum entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai.
O sistema de solução para as questões surgidas deve ser estabelecido entre os quatro países e, num segundo passo, com o Chile, antes que se possa admitir a plena operacionalidade dos efeitos do Tratado de Assunção, no qual determinaram seu programa de integração econômico-jurídica. Nesse sentido, o encontro internacional promovido pelo STJ foi e será de utilidade marcante. Desenvolverá a discussão de questões fundamentais a respeito dos modos de contornar conflitos de interesse em nível de direito público e direito privado.
Curiosamente -e talvez ignorada pelo grande público-, uma das maiores autoridades do mundo no tema da resolução de conflitos é um brasileiro. Paulista, professor da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, embaixador-chefe da representação do Brasil perante a OMC -Organização Mundial do Comércio-, Celso Lafer é o atual presidente do órgão supranacional de solução de controvérsias dessa organização, sediada em Genebra.
A contar da idéia de que uma das formas de viabilizar a paz entre as nações consiste em determinar meios pacíficos para resolver suas dissidências, Lafer desenvolveu, em conferência recente, lúcido exame dos problemas submetidos ao órgão que preside. Transpondo sua lição para a América do Sul, é impossível esperar que o novo relacionamento do Mercosul seja isento de tropeços. Há pedras pelo caminho, consequentes dos conflitos de concepção (convergências ou divergências sobre o funcionamento da sociedade, da economia, da política) e conflitos de interesses (o que se ganha e o que se perde na transação econômica).
Lafer espera, nos termos previstos para a OMC, a satisfatória obediência às normas impeditivas de condutas unilaterais sob alegadas razões de Estado. Na dinâmica da vida econômica, no mercado, a possibilidade de alteração dos interesses tende a ser constante. Assim, a técnica a ser respeitada pelos países consiste na obrigação de consultar o organismo supranacional, viabilizando a criação de novos padrões de conduta, compatíveis com a transformação ininterrupta.
Na OMC o modo de dar juridicidade ao processo consiste em impedir o bloqueio unilateral de funcionamento dos painéis destinados ao debate das controvérsias. O processo examinado por Lafer na referida conferência (da qual a Fiesp tirou separata com 35 páginas) culmina em uma segunda instância, encarregada de rever os relatórios oriundos dos painéis neutros e supranacionais, encarregados do "julgamento" originário.
Assinalo a experiência vivida por Celso Lafer em Genebra, pois nele se mesclam o jurista e o homem prático que conhece os problemas do dia-a-dia da indústria e do comércio. É um brasileiro no centro dos esforços de pacificação do mundo do comércio.

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