São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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"Reeleição não é crucial à estabilidade"

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA; KENNEDY ALENCAR
EDITOR DO PAINEL S/A

Scheinkman, da Universidade de Chicago, e Pettras, da Universidade de Nova York, avaliam FHC

KENNEDY ALENCAR
O economista José Alexandre Scheinkman, chefe do Departamento de Economia da Universidade de Chicago (EUA), diz que, "dependendo do custo, pode não valer a pena aprovar a reeleição".
Não privatizar a Vale do Rio Doce seria um custo excessivo. "Não tanto pela Vale em si, mas pelo que isso sinaliza no futuro."
Morando nos Estados Unidos desde 1973, o carioca Scheinkman, 48, acha que seria um caminho arriscado apostar todas as fichas na aprovação da emenda dos sonhos de FHC: "O que a gente vai fazer em fevereiro e março se a reeleição não tiver passado?".
Para ele, as medidas econômicas do governo brasileiro estão no rumo certo, mas não no ritmo desejado. Na sua avaliação, portanto, pode surgir um nome na sucessão presidencial de 1998 que represente, mais do que FHC, os anseios da comunidade internacional.
Leia os principais trechos de sua entrevista à Folha:
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Folha - Como a comunidade internacional está acompanhando o debate da reeleição no Brasil?
José Alexandre Scheinkman - Espero que o Brasil já tenha uma maturidade política tal que não torne esse debate tão crucial. Evidentemente é importante: pode decidir quem será nosso próximo presidente. Mas eu acho que nem o Brasil vai cair em uma crise se a reeleição não passar, nem vai sair de uma crise se tiver reeleição. É muito importante não focalizar demais essa questão da reeleição como crucial à estabilidade. O que a gente vai fazer se chegar em fevereiro ou março e a reeleição não tiver passado?
Folha - Mas o ministro Antonio Kandir (Planejamento) chegou a prever que a economia poderia crescer até 9% com a reeleição.
Scheinkman - Olha, só a aprovação da reeleição é pouco para mudar nossa taxa de crescimento.
Folha - A comunidade internacional não vê FHC como o grande avalista do Plano Real? Sem ele, o Brasil não vira uma incógnita?
Scheinkman - É uma incógnita porque não se sabe quais serão as alternativas. O presidente está praticamente na metade de um mandato. Mas, suponha que, de repente, apareça outro político, com possibilidade de ser eleito, que esteja disposto a privatizar mais rapidamente, a abrir a economia mais rapidamente, a cortar um déficit fiscal mais rapidamente?
Folha - O custo da reeleição não é uma outra incógnita?
Scheinkman - Temos de entender o que vai ser preciso fazer para que esse Congresso aprove a reeleição. Isso não está claro. Depois de tudo feito, vamos saber se a reeleição valeu a pena.
Folha - O processo depende do custo?
Scheinkman - Certamente. Por exemplo, não privatizar a Vale eu já acho um custo excedente. Não tanto pela Vale em si, mas pelo que isso sinaliza no futuro.
Folha - Qual é a imagem do governo lá fora?
Scheinkman - As reformas em geral poderiam ter ido mais rápido. O Brasil já poderia ter uma situação fiscal mais garantida a longo prazo. Já poderia ter ido mais longe na privatização. Já poderia ter tido maior sucesso na reforma da Previdência. Agora, ao mesmo tempo, é entendido também que o governo atual é favorável a essas reformas. E isso é positivo.
Folha - A incerteza política poderá provocar saída de capital?
Scheinkman - As incertezas estão todas no preço. Se você olhar os "bradies" (títulos da dívida externa) vai ver que existem diferenças de preços. Os títulos mais longos pagam juros maiores. Por quê? Porque há mais incerteza no futuro do que no presente. Se ela vai subir ou descer vai depender da alternativa que for escolhida.
Folha - Como é vista no exterior a alternativa Maluf?
Scheinkman - Eu nunca conversei com alguém sobre o Maluf. Vi uma citação na "The Economist", de que ele é um populista de direita. Foi tudo o que eu vi.
Folha - E a chamada alternativa de esquerda?
Scheinkman - Qual a proposição da esquerda no Brasil hoje em dia? Sei que eles são contra. Mas não sei exatamente do que eles são a favor. Vão ter de ser a favor de alguma coisa. Quer dizer, a Previdência como está, não pode continuar. O déficit fiscal do tamanho que está não pode continuar.
Folha - Setores de esquerda acham que houve uma abertura econômica excessiva. O deputado Delfim Netto (PPB-SP) também e defende mudanças no câmbio.
Scheinkman - A taxa de juro real que foi preciso ser usada no Brasil ocasionou, entre outras coisas, uma certa valorização do real em relação ao dólar.
A solução para isso passa pela redução do déficit fiscal. Eu não sei exatamente o que o Delfim Netto pensa, mas acho que concordaria que uma diminuição do déficit fiscal traria uma melhoria profunda.
A queda do juros e, provavelmente, acompanhando isso uma valorização do dólar em relação ao real melhoraria a posição de certos setores exportadores. Agora, o Brasil é um país extremamente desconectado do resto do mundo.
A soma das exportações e importações dividida pelo PIB (Produto Interno Bruto), que é uma medida da abertura, ficava em 20% no Brasil em 1980. Caiu para 15%, em 1994. Na China, esse número se aproxima de 50%.
Folha - O sr. acha que o Brasil está ficando parecido com o México?
Scheinkman - Não. A situação do Brasil é bastante diferente da situação do México. Por que o governo está se endividando? Por causa do déficit fiscal. Por que o juro está alto? Porque o governo tem de se financiar. O déficit fiscal, se não for resolvido, não a curto prazo, mas a médio e a longo prazos, vai trazer problemas. O país está se endividando, o que isso quer dizer? Que, no futuro, o governo vai ter uma dívida maior e, portanto, um serviço da dívida maior, mesmo que os juros caiam. Folha - É uma bomba de efeito retardado?
Scheinkman - Não seria uma bomba. É um veneno de efeito retardado. É uma coisa que deixará doente e pior de saúde no futuro.
Folha - A Vale deve ser privatizada mesmo dando lucro?
Scheinkman - A questão não é se uma empresa dá lucro. É se ela paga o custo alternativo de financiamento. A taxa de retorno da Vale, pelo que vi, não é comparável com o que custa ao governo se financiar. O que acontece com o empresário que toma dinheiro para empregar num negócio, cuja taxa de retorno é mais baixa do que o custo do empréstimo?
Folha - Mas a questão essencial não é que, se todas as empresas forem privatizadas, e todo dinheiro usado para cancelar dívidas, ainda assim vai sobrar dívida?
Scheinkman - Hoje, no Brasil, os gastos com juros crescem mais do que a economia. É uma situação explosiva. Você não resolve isso vendendo nada. Então, para resolver esse problema, você precisa diminuir seus gastos. Temos de diminuir e redirecionar os gastos, investindo em saúde e educação. Agora, existe um estoque de dívida. Tudo o que você conseguir diminuir daquele estoque representa uma necessidade menor de redução de outras despesas.
Folha - O Brasil, para crescer, não precisa mexer no câmbio e admitir um pouco mais de inflação?
Scheinkman - Olha, o meu colega Robert Lucas ganhou o Prêmio Nobel de Economia no ano passado. Ele demonstrou, nos anos 70, que é impossível você usar a inflação como mola para o crescimento. Que isso era uma ilusão estatística, uma besteira teórica. Qualquer um que hoje esteja falando isso parou de ler economia por volta de 1973.
Folha - O sr. acha o déficit comercial preocupante?
Scheinkman - O que é realmente importante não é a taxa de crescimento do mês, a taxa de câmbio do mês, o déficit do mês. O importante é se o Brasil está tomando as medidas necessárias para, no longo prazo, crescer e aumentar o salário real da economia. Acho que muito pior do que o déficit comercial foi a notícia de que o Brasil ficou fora da Internet por dois dias. Demonstra que estamos com um setor de telecomunicações que não é compatível com o crescimento.

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