São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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'Minha única culpa foi ser tímida', diz médica de Liz

RICARDO FELTRIN
DA REPORTAGEM LOCAL

A médica Ana Helena Patrus de Sousa, da Clínica Santé, decidiu romper o silêncio sobre o caso Cláudia Liz. A modelo e atriz sofreu complicações durante os preparativos para uma cirurgia plástica no dia 8 de outubro.
Dizendo-se magoada com os desdobramentos do caso, que está sendo investigado pelo CRM (Conselho Regional de Medicina), a cirurgiã afirma: "Minha única culpa foi ser tímida e não saber enfrentar os jornalistas."
Ana Helena e seu marido, Leonardo Bannet, declaram que a Santé teve um prejuízo de pelo menos R$ 200 mil com o caso.
"Nos 30 dias posteriores ao acidente com Cláudia não fizemos nenhuma cirurgia. Foram canceladas. Só agora as coisas estão voltando ao normal", diz a médica e empresária.
Segundo Ana Helena -como é conhecida-, suas clientes mais antigas e famosas continuam frequentando a Santé.
Na sala de espera, na última quinta-feira, a atriz Lucélia Santos aguardava uma consulta, enquanto a apresentadora Kátia Maranhão estava sendo submetida a uma cirurgia estética.
Sobre a mesa da sala, uma revista estava aberta justamente numa página com artigo da cirurgiã. O título: "Eu fiz tudo certo".
Não há nenhuma placa na fachada da clínica de dois andares, na Vila Nova Conceição, elegante bairro na zona sul de São Paulo.
O CRM concorda: até o momento, o órgão declara não ter indícios de que o broncoespasmo sofrido por Cláudia Liz -que a deixou em coma, aprofundado com medicamentos pelo Hospital Albert Einstein- tenha ocorrido por causa de algum erro médico.
Leia, a seguir, a entrevista com Ana Helena Patrus de Sousa.
*
Folha - O que a senhora e a clínica tiraram como lição nesse caso?
Ana Helena Patrus de Sousa - A lição que tirei foi de humildade e de coragem, de ter enfrentado o problema e as pressões, que chegaram até às minhas filhas. Há pouco tempo uma delas chegou chorando em casa, porque haviam dito na escola que sua mãe quase tinha matado a Cláudia Liz. E eu nem a operei, meu Deus!
Folha - O caso mudou de alguma forma os procedimentos médicos da clínica em relação a anestesias em cirurgias estéticas?
Ana Helena - Absolutamente nada. O que ocorreu foi um bom aval aos nossos procedimentos.
Folha - Por quê?
Ana Helena- Porque o bom final, a melhora de Cláudia, só veio confirmar a capacidade da nossa infra-estrutura e a presteza no nosso atendimento. Não temos o que incluir na clínica, ela é totalmente aparelhada. O CRM fez diligência aqui e confirma isso também.
Folha - A Santé perdeu muitos clientes com o caso?
Patrus de Sousa - Não digo que perdemos clientes, mas tivemos uma parada no nosso movimento. Chegamos a parar de fazer cirurgias por quase um mês. A média era de seis cirurgias por dia. O prejuízo mesmo -cirurgias canceladas e outras que não foram marcadas- chega, por baixo, a R$ 200 mil.
Nós funcionamos de duas formas na Santé. Não fazemos apenas cirurgias pagas. Fazíamos também uma média de 12 cirurgias sociais por mês, gratuitas.
Alguns desses casos, que o Leonard (Bannet, também cirurgião plástico) cuida, são gravíssimos e caríssimos. Cuidamos de crianças como o Gugu, que teve o corpo deformado por queimadura (ela exibe um álbum em que mostra a evolução das cirurgias de um garoto que vem tendo seu nariz e partes do rosto e pescoço reconstruídos por Banett há mais de quatro anos; o rosto lembra o do Homem Elefante, personagem interpretado por John Hurt em filme de 1980). Temos mais casos. Sem dinheiro não podemos tratá-los.
Folha - Mas a Santé não é clínica beneficente.
Ana Helena - Em teoria não, mas na prática sim. Se alguém trouxer seu filho aqui e nós comprovarmos que essa pessoa não tem dinheiro mesmo, não vai pagar absolutamente nada.
Folha - Publicando isso, muitas pessoas vão procurar a clínica...
Ana Helena - Publique. É um favor que você faz para a gente.
Folha - Você acha que cometeu algum erro?
Ana Helena - O único erro que eu cometi foi ser tímida, insegura na hora de conversar com vocês, jornalistas. Eu não gosto nem de sair em fotos de aniversário de parentes. Como acha que me senti, tendo minha clínica cercada por repórteres, fotógrafos e cinegrafistas do Brasil todo?
Fiquei desesperada. Nunca falava com a imprensa, e me perguntavam coisas que eu não podia responder, ouvia críticas à clínica e li questionamentos sobre meus procedimentos, sendo que eu não tinha culpa. Ninguém teve culpa -nem o anestesista (Francisco Minan Neto), que agiu tão bem que a Cláudia melhorou.
Folha - Mas no dia da entrevista coletiva (dois dias depois de Cláudia Liz ter entrado em coma) já se sabia que o problema havia ocorrido durante a anestesia. Por que a clínica não levou Minan Neto?
Ana Helena - Ele foi orientado por seus advogados a não falar naquele momento, mas depois acabou falando com a Folha.
Meu maior erro, se houve, foi na comunicação. Mas no campo ético e humano jamais errei. Fiquei ao lado de Cláudia todo o tempo. Fui a primeira pessoa que ela viu quando saiu do coma no Einstein. Beijei sua testa. Então, o Celso (Loducca, marido da atriz) me disse: "Agora que ela acordou, acho que é hora de a família ficar com ela". Ele estava certo. Fui embora.
Folha - A senhora não acha que o caso levantou uma discussão sobre a segurança em cirurgias estéticas, aparentemente sem riscos?
Ana Helena - Lipoaspiração é simples e segura. O anestésico que foi usado em Cláudia é um dos mais seguros e eficazes que existe. O que aconteceu com ela foi um acidente imprevisível. Não há testes para se saber se uma pessoa vai ter ou não reação alérgica a uma anestesia -ainda mais se ela já tivesse tomado outras duas vezes esse mesmo anestésico e nada tivesse acontecido.
Folha - Como a senhora avalia a atuação do neurocirurgião Jorge Pagura (chefe de neurocirurgia do Albert Einstein)?
Ana Helena - Na minha opinião, o Pagura agiu... como vou dizer... com seu estilo de ser. Ele é daquele jeito, ele é aquilo que mostrou para a imprensa.
Folha - Que jeito? Como assim?
Ana Helena - Você está me entendendo. Não quero falar sobre o que sinto. Não seria ético.
Folha - A senhora não o indicaria para cuidar de um paciente seu?
Ana Helena - Não. Não indicaria. Mas sempre indicaria o Hospital Albert Einstein.
Folha - A senhora tem mágoa em relação a ele?
Ana Helena - Não, não sinto mágoa. Mas eu, se estivesse no lugar dele, não agiria daquela forma.
Folha - Que forma?
Ana Helena - Já disse, acho que ele praticou seu estilo de medicina, que não é o meu. Mas não questiono de forma alguma seus procedimentos. Aliás, o que ele fez com a Cláudia foi apenas manter e ampliar o tratamento que nós já estávamos dando a ela aqui na Santé.
Folha - A senhora se sentiu prejudicada nesse caso ao ponto de pensar em processar alguém pelo prejuízo que diz ter sofrido?
Ana Helena - Pensei, sim. Mas provavelmente não vou fazer nada disso. Tudo o que quero agora é que minha vida e a da clínica voltem ao que eram antes disso tudo.

LEIA MAIS sobre o caso Cláudia Liz à pág. 3-14

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