São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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BA usa teatro contra depredação escolar

FERNANDO ROSSETTI
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR (BA)

Após uma hora de peça teatral, já se conhecem os personagens: a professora frustrada, a diretora fútil, o aluno displicente, o militante, o grafiteiro, a gostosona...
E a história chega ao clímax: aqueles desencontros cotidianos que compõem a vida escolar e, no caso, a trama da peça, levam à depredação coletiva da sala de aula.
O público, de 500 estudantes secundaristas, fica calado diante da cena incômoda. Um dos alunos -o grafiteiro, agora apaixonado pela aluna aplicada- pega uma carteira da pilha formada no centro do palco e coloca no lugar.
Depois, pega uma cadeira, ergue bem alto e também coloca no lugar. Aos poucos, todos os personagens se envolvem na cena de reorganização da escola.
O final é "água-com-açúcar", ou romântico, com todos os personagens descobrindo que, juntos, podem preservar e construir a educação de seus sonhos.
Debate
Em seguida vem o debate. Alinhados no palco estão os oito atores e dois diretores da peça "Cuida Bem de Mim". Na platéia, o público de estudantes reais.
O clima é emocionado: "Nós acabamos de ver aqui a droga em nossas escolas, a depredação. Mas a escola é nosso segundo lar", diz um garoto de cerca de 14 anos, para em seguida propor a formação de um grêmio conjunto das três escolas presentes no teatro.
"A única coisa que tem de mudar é que a gente tem de se conscientizar", afirma uma aluna.
A peça -que chega ao final da série de 60 apresentações iniciada em outubro- cumpriu novamente seu objetivo: revela a complexidade da questão da violência nas escolas, mostra que todos são agentes da depredação e -como uma história-mito- acena com possíveis saídas para essa situação.
Liceu
O governo baiano pôs R$ 34 milhões entre 95 e 96 na recuperação de escolas depredadas. Com a verba, daria para construir escolas para 35 mil alunos (4% da rede).
Foi diante de dados como esses que o Liceu e Artes e Ofícios da Bahia -empresa privada sem fins lucrativos- decidiu formular o projeto "Quem Ama Preserva - Tecnologia Educacional com Teatro", em parceria com a Secretaria de Estado da Educação. Encerrou na semana passada a fase piloto.
É um projeto em tudo inovador numa área carente de experiências bem-sucedidas no país.
Começou com uma série de oficinas feitas com 311 professores e 517 líderes (estudantes escolhidos como representantes de suas salas) de dez escolas de Salvador (BA).
Nessas oficinas, foram localizados os principais problemas sentidos pela comunidade escolar em relação à depredação e se formulou a história da peça.
Abandono
"Nossa primeira constatação foi um sentimento muito forte de abandono e desesperança nas escolas. O momento que esses jovens e professores estão passando é muito desalentador", afirma o o diretor do programa, Luiz Mafuz.
"Mas há também uma esperança, uma crença na possibilidade de reconstrução. Muitos citavam nas oficinas a necessidade de um impulso que levasse a uma transformação", continua. "Foi assim que surgiu a peça, com esse final."
Cerca de 25 mil alunos já viram a peça. Em dois meses, três escolas entraram em processo de formação de grêmios, e outras criaram instâncias coletivas de debate.

O jornalista Fernando Rossetti foi a Salvador a convite do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

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