São Paulo, segunda-feira, 2 de dezembro de 1996
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O pio de Guerra

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Tome-se um sujeito vaidoso. Lance-se sobre ele o lume dos holofotes de TV. Pronto. Estão dadas as condições para que ocorra uma erupção de deslumbramento.
Em surtos do gênero, o equilíbrio cede espaço ao exibicionismo. A loucura avança sobre a sensatez. O queixo empina-se, as maçãs da face ganham viço, e os olhos cintilam. Mas é a boca que sofre a metamorfose mais nefasta.
Bêbada de vaidade, perde a trava do bom senso. Vagueia por conceitos que deixam mal o próprio dono. Veja-se o que ocorreu com Pio Guerra, o novo presidente do Sebrae. Rodeada de microfones, sua boca piou fora do tom. Comprou guerra com todo o Congresso -e, muito especialmente, com Benedita da Silva.
A boca de Pio disse que o Congresso enfeia os projetos que deslizam por seus escaninhos: "Entra uma foto de Marilyn Monroe e sai uma de Madonna. Aliás, Madonna é uma comparação até boa. É uma coisa mais Benedita da Silva".
A aparência de Pio Guerra não credencia seus lábios como bons conselheiros de beleza. Assim, se tivesse parado nas duas loiras, a fatídica frase teria sido apenas ridícula. Ao migrar para a negra Benedita, porém, enveredou pelo movediço terreno do preconceito.
É de se perguntar: com tanta mulher à mão, por que a língua de Pio investiu logo contra Benedita? A senadora, se me permite o Pitanga, tem lá os seus encantos.
Só há uma explicação possível: sob o efeito das luzes, a boca de Pio achou que falava para a Escandinávia. Desligados os refletores, não restou senão a ressaca. Pio viu-se de volta à realidade de pardos e mulatos, de cafuzos e mamelucos. E pediu desculpas.
Resta saber qual dos dois sons é o mais autêntico: o pio de paz, sussurrado em carta a Benedita, ou o pio de guerra, vociferado diante das câmeras.
Suponha-se que o Pio verdadeiro seja o "escandinavo". Neste caso, Fernando Henrique terá ajudado a acomodar na presidência do Sebrae um racista. Algo constrangedor para alguém que pensa em criar o Ministério dos Direitos Humanos.

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