São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Usina de talentos

GABRIELA MICHELOTTI
FOTOS KLAUS MITTELDORF

Juntar todos os sócios da produtora Conspiração Filmes é quase impossível. Eles eram em sete até o mês passado, quando convidaram a produtora publicitária Patrícia Viotti de Andrade a se juntar à equipe. Eles no Rio, ela em São Paulo, e cada um em projetos diferentes.
A idéia é mesmo dominar o mercado de videoclipes, filmes publicitários, cinema e televisão.
Os diretores Lula Buarque de Hollanda, Zé Henrique Fonseca, Arthur Fontes, Andrew Waddington (Andrucha), Cláudio Torres cuidarão da parte criativa: filmagens e criação de arte.
Leonardo Monteiro de Barros (Léo), Patrícia Viotti de Andrade e Pedro Buarque de Holanda são os diretores executivos. E o banco de investimentos Icatu, outro novo sócio, ficou responsável por reforçar a parte financeira e gerencial.
Eles não revelam qual a quantia desses investimentos, mas esperam aumentar a participação no mercado publicitário em 50%. Neste ano, eles fizeram uma média de cem filmes e faturaram R$ 11 milhões. Para 97, esperam fazer 150 filmes, faturar US$ 15 milhões no setor publicitário e outros R$ 5 milhões na área de ficção.
Os meninos resolveram também assumir a missão de ajudar a suprir a TV a cabo com produção independente e a reanimar a indústria do cinema nacional. Em quatro anos, querem produzir pelo menos três longas-metragens por ano.
Parece megalômano? Não é, se seguirem o mesmo ritmo de crescimento que têm tido desde que a Conspiração entrou no mercado publicitário em 1993.
Em três anos, a produtora acumulou sucessos com propagandas como a do Uh! Guaraná e da Reebok (único caso em que a matriz norte-americana comprou um filme produzido por uma filial), conquistou clientes como a W/Brasil e a DM9 e acabou com a hegemonia paulista no mercado publicitário nacional.
Na área de videoclipes, os sucessos não são menores. No primeiro MTV Video Music, sete dos 11 prêmios foram para a Conspiração. Neste ano, também foi a mais premiada, com os clipes "Lourinha Bombril", do Paralamas do Sucesso, e "Garota Nacional", do Skank, entre outros.
Depois de faturar R$ 11 milhões em 96, é hora de crescer. Junto com os novos sócios, a Conspiração vai também aumentar sua estrutura.
Para dar um impulso na área de publicidade e atacar o mercado paulista, está sendo construído um escritório em São Paulo, que ficará sob o comando total de Patrícia Viotti de Andrade. "Queremos ampliar nossa atuação na cidade, onde estão 90% dos negócios", diz a nova diretora executiva da Conspiração.
Patrícia, mulher do também publicitário Washington Olivetto, foi convidada a ser sócia da Conspiração depois de sair da produtora Jodaf, onde foi sócia por 12 anos e trabalhou com as principais agências paulistas (W/Brasil, Almapp, DM9 e DPZ, entre outras) e com clientes grandes como Antarctica, Grendene, Sadia, Volkswagen e Alpargatas.
Na Conspiração, Patrícia já está cuidando dos novos filmes da Rider, Kaiser, Kibon e Guaraná Antarctica.
"Teremos sete diretores para atuar no mercado", diz ela. Sete diretores porque, além dos cinco diretores sócios, a Conspiração está contratando mais dois, Breno Silveira e Izabel Jaguaribe.
Ambos já tinham colaborado antes com a Conspiração e têm o mesmo perfil dos outros diretores: jovens, talentosos e com muita disposição para o trabalho.
"Eles são a grande promessa para o ano que vem", afirma Pedro.
A estratégia de crescimento da Conspiração também inclui uma parceria com o banco Icatu, que vai entrar com dinheiro e suporte na estrutura gerencial.
O banco também dará mais credibilidade para que a empresa capte mais recursos de investidores com a Lei do Audiovisual na área de ficção, o outro grande projeto da Conspiração para o ano que vem.
Cinema nacional
Os sócios da Conspiração acreditam piamente que este é o momento certo para desenterrar o cinema nacional.
Esse é um tema particularmente importante para os meninos. Arthur e Lula têm formação em cinema. Arthur e Andrucha já fizeram curtas. "Mas já foi há tanto tempo que nem me lembro mais", brinca Andrucha.
Zé Henrique já trabalhou como assistente de direção do filme "A Grande Arte", de Walter Salles e em "Brincando nos Campos do Senhor", de Hector Babenco.
"A gente tem uma expectativa de médio e longo prazo. Nosso desafio é daqui a três ou quatro anos estar fazendo de três a quatro longas de qualidade por ano", diz Pedro.
"No cinema, a Lei do Audiovisual deu a possibilidade de as empresas investirem em cinema sem a tutela do Estado para escolher o produto. E ela tem uma coisa boa, que é prazo para acabar", afirma Léo. "Ela dá um tempo para a indústria se reorganizar e depois sobreviver sozinha."
"Nós queremos nestes oito a dez anos de vigência da Lei do Audiovisual recuperar o mercado perdido e fazer com que a participação do cinema brasileiro na venda de bilhetes chegue a 30%", diz Pedro. "Quando isso ocorrer, o cinema nacional existirá como indústria."
Os conspiradores acham que estão preparados para o desafio. E, para eles, a publicidade ajudou muito.
"São duas linguagens totalmente diferentes", diz Andrucha. "Mas a publicidade dá um 'background' muito bom de qualidade, preocupação com o telespectador e exercício de filmagem."
"Hoje em dia não dá mais para ficar parado de dois a três anos esperando um longa ficar pronto. Hoje em dia não dá para ser só cineasta", afirma Cláudio.
"Mas nós admiramos muito os cineastas mais antigos", afirma Zé Henrique. "O Cacá Diegues e o Hector Babenco são pessoas que sempre puxaram a gente para o cinema. Ele vai voltar a existir com o arrocho dessa turma que está chegando e com a experiência dos mais antigos."
A escritora Patrícia Melo, que já adaptou um roteiro para a Conspiração e terá seu livro "O Matador" filmado por Zé Henrique, acredita que a produtora tem condição de impulsionar o cinema nacional. "Eu sou fã de carteirinha dos meninos. Eles combinam duas qualidades no cinema nacional que nem sempre vêm juntas. São extremamente talentosos e profissionais."
O primeiro longa-metragem da Conspiração já está sendo montado. "Traição" é um filme com três episódios baseados em contos de Nelson Rodrigues, da série "A Vida Como Ela É".
O primeiro episódio, "Primeiro Pecado", foi dirigido por Arthur Fontes, e tem no elenco Fernanda Torres (irmã de Cláudio) e Pedro Cardoso. "Cachorro!", de Zé Henrique Fonseca, tem Alexandre Borges, Fernanda Montenegro e o próprio Zé Henrique como atores.
O último episódio é "Diabólica", que será filmado por Cláudio Torres. Um quarto episódio será feito só para a TV, com a direção de Andrucha.
Dois novos longa-metragens, "O Matador" e "Eu, Tu, Eles", deverão ser lançados em 98.
Baseado no romance de Patrícia Melo, o diretor Zé Henrique já encomendou o roteiro de "O Matador" para seu pai, Rubem Fonseca.
"Eu sempre tive o sonho de filmar uma história do meu pai, mas quando eu li o livro da Patrícia Mello senti que tinha necessidade de adaptar aquela história mais contemporânea. Nunca me vi fazendo alguma adaptação de época", conta Zé.
Para não abandonar seu antigo projeto, o conto de Rubem Fonseca "O Cobrador" será inserido na história de "O Matador".
O outro longa da Conspiração será dirigido por Andrucha e está na fase final do roteiro. "Eu, Tu, Eles" será um épico sertanejo, como define o diretor. "É a história de uma mulher que tem três maridos e de dois adultérios, um verdadeiro e outro falso", conta.
Washington Olivetto diz que há três coisas que o Brasil sabe fazer bem: futebol, música popular e propaganda. Os sócios da Conspiração querem acrescentar mais um item à trinca sagrada da produção nacional: o audiovisual.
"Assim como a publicidade está inserida em um nível de qualidade mundial de produção, a música brasileira também tem qualidade internacional. E nós estamos tentando trazer a qualidade de produção audiovisual do Brasil para esse nível", diz Lula.
"Desde 94 tínhamos um desejo de entrar na área de ficção (TV e cinema em película)", afirma Pedro. "Trouxemos o Léo para criar um núcleo de ficção que tivesse vida própria."
A Conspiração pretende repetir no cinema e na TV o sucesso que teve com os videoclipes. Para isso, vão seguir a mesma filosofia dos videoclipes: só produzir filmes em película com qualidade internacional. "O vídeo em dez anos se deteriora. O cinema fica", afirma Cláudio Torres.
"Assim como a MTV brasileira ajudou muito a produção nacional de clips, a TV a Cabo também vai ajudar a criar um mercado de produção independente para a TV. Nós estamos vivendo um novo momento para esse mercado, que sempre foi carente no Brasil", diz Lula.
"Waltinho e o João Salles são os únicos no país que têm uma história de produzir documentários ou musicais independentes", completa Andrucha. "Waltinho fez Caetano, João Gilberto e Chico Buarque. É um cara que conseguiu trabalhar em um padrão que a gente acha que é o nosso. O João também é um puta mestre. Nós nos miramos muito nos documentários que ele fez, 'América', 'Japão', 'Jorge Amado' e 'China'."
A Conspiração já está produzindo para a TV musicais, como o recém-lançado "Barulhinho Bom", especial da Marisa Monte, dirigido por Lula.
Na próxima semana, vai lançar o especial com Gilberto Gil. Dirigido por Lula e Andrucha, "Tempo Rei" é um documentário de 1h50 sobre Gil. Foi filmado em quatro meses e demorou um ano e dois meses para ficar pronto.
"Acreditamos que nossos musicais e programas têm um 'approach' diferenciado daqueles normalmente feitos para a TV. Tanto por serem gravados em película quanto pela qualidade de direção e fotografia", diz Lula.
"Normalmente a TV tem dificuldade em manter uma intimidade com o artista pela maneira industrial que filma. Nós não queremos gravar um show em duas horas e editá-lo em 15 dias", diz Andrucha. "Nossa idéia é produzir um documento histórico sobre a MPB."
Na mira da Conspiração, estão ainda especiais com os Paralamas do Sucesso, Milton Nascimento, Djavan e Paulinho da Viola. Para o ano que vem, a Conspiração deve seguir o projeto de adaptação para a TV de 12 contos de Rubem Fonseca. "Serão todos contos que têm Mandrake como personagem, para manter uma unidade", conta Zé Henrique.

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