São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Cingapura, uma grande chance

KJELD JAKOBSEN

Recebemos recentemente na CUT alguns folhetos de propaganda sobre o potencial lucrativo dos investimentos nas Zonas Processadoras de Exportação (ZPEs) cujo texto vale a pena reproduzir.
"Não há maneira de reduzir meu custo trabalhista a US$ 1,00 a hora!
Sim, há! Yucatan.
Onde a mão-de-obra, incluindo benefícios, custa, em média, menos de US$ 1,00 por hora."
"Trabalhando para fazer seu negócio andar.
US$ 0,56 por hora é apenas uma das razões.
República Dominicana."
"Você quer cortar seus custos com mão-de-obra? Corte aqui.
Mão-de-obra altamente produtiva e custos competitivos.
Honduras."
O próximo é ainda mais explícito:
"Para lucros ótimos, invista nas ZPEs de Bangladesh.
Bangladesh oferece a mais produtiva e barata força de trabalho. A lei proíbe a formação de sindicatos e as greves são ilegais."
Esse nível salarial não é fruto da negociação coletiva entre sindicatos livres e empresários das ZPEs, mas da violação sistemática das normas básicas da OIT, de jornadas de 14 a 16 horas de trabalho, de ausência de repouso semanal, férias e previdência social, da exploração de mulheres, da inexistência de sindicatos etc.
Seu objetivo é favorecer a competição no mercado global por meio de custos de mão-de-obra os menores possíveis.
Os "incentivos" prometidos nessas propagandas não podem ser classificados como vantagens comparativas ou economia de mercado. Na realidade, eles configuram a prática do "dumping" social baseada na concorrência desleal e na superexploração da mão-de-obra para enfrentar a crescente competitividade no comércio internacional.
Essa praga, sob a justificativa da abertura de mercados, está se espalhando. O governo do Paraguai espera aprovar até dezembro uma lei autorizando a instalação de "maquillas" (montadoras que se instalam em países com legislação menos rígida e se limitam a montar produtos com peças importadas do país de origem) bem debaixo do nosso nariz. Se isso ocorrer, haverá reflexos imediatos no Mercosul e no mercado de trabalho no Brasil.
A equação dos limites da formação de preços de bens e serviços na competitividade global, com os lucros tendendo ao infinito e direitos sociais tendendo a zero, precisa ser recomposta.
A reunião da OMC em Cingapura, que trata do tema "comércio e normas laborais", será uma grande oportunidade para isto, aprovando a cláusula social e exigindo o respeito às normas básicas da OIT como condição de participação no comércio internacional.
Essas normas básicas prevêem o direito de livre organização sindical e de negociação coletiva, abolição de trabalho forçoso e infantil e proibição de discriminação de raça e gênero no mercado de trabalho.
Apesar da crescente adesão à introdução da cláusula social na OMC, o Brasil persiste em sua posição de somente tratar os temas trabalhistas no âmbito da OIT, conforme reafirmado em recente seminário promovido pela OCDE, que contou com a participação de representantes de governos e trabalhadores de países em desenvolvimento que não fazem parte do clube dos mais industrializados.
Isto apesar de o presidente Fernando Henrique ter afirmado em recente encontro com sindicalistas da CUT e outros países do continente americano que não se opõe à proposta da cláusula social nos termos em que ela vem sendo formulada pelo movimento sindical e que também postula a participação dos trabalhadores na OMC.
A posição do governo brasileiro no seminário da OCDE não foi diferente da postura dos governos da Indonésia e da Índia. Péssimas companhias, que nos colocam ao lado de uma ditadura que provocou no Timor Leste o maior genocídio do século e de um governo omisso com relação à exploração do trabalho infantil.
A reunião de Cingapura é uma boa oportunidade para o Brasil rever sua posição, cumprir com a palavra do presidente e assumir a defesa dos direitos humanos e sindicais internacionais.
É inadmissível que o Brasil, sendo signatário da maioria das normas básicas da OIT, permaneça se opondo ao reconhecimento da dimensão social do comércio mundial em benefício exclusivo de empresários que praticam o "dumping" social para enfrentar a competitividade do comércio global.

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