São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 1996
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"Não quero virar cult", diz Arnaldo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Um pouco pelo projeto de "Nome", seu primeiro trabalho, que colocava em jogo linguagens e repertórios diferentes, um pouco pela sua atuação propriamente poética, em diálogo com nomes como Augusto de Campos, Arnaldo passou a ser visto com desconfiança.
Tornou-se, no jargão boboca, muito "cabeça" para ser pop e muito pop para merecer a aprovação mais culta. Na entrevista que se segue, ele reage às críticas: "Meu trabalho é pop", diz.
Arnaldo afirma que não quer ser "cult" e diz encarar como "um fracasso" o fato de seu primeiro trabalho, "Nome", não ter sido executado em rádios.
Depois de amanhã, ele estará se apresentando, com outras bandas, exatamente num show de rádio -a festa de fim de ano da Brasil 2000 (av. Marquês de São Vicente 1.767, Pompéia, tel. 011/861-3368).
*
Folha - Quando o Renato Russo morreu, a Folha fez uma caderno especial usando a expressão "o último poeta pop" da década de 80. "Mas e o Arnaldo?", perguntei. "O Arnaldo é mais literário, mais experimental, não é exatamente pop", foi a resposta. O que você acha disso?
Arnaldo - Eu vejo meu trabalho absolutamente dentro do que a gente chama de cultura pop. Não caminho muito fora disso, seja com os Titãs, seja depois dos Titãs. Eu sempre trabalhei dentro desse universo e acho que um pouco do preconceito e da dificuldade em relação ao meu trabalho vem de um antigo projeto de conjugar várias linguagens dentro de um mesmo conceito artístico.
Eu realizei esse projeto em "Nome", juntando poesia, música e vídeo. Foi um projeto específico, mas ainda assim sempre considerei um trabalho que não fugia ao pop.
Aquele vídeo do "Nome" é como se fosse meu "Yellow Submarine" -uma coisa para passar na televisão, como passou na MTV.
Folha - Por que então o meio da música pop reagiu?
Arnaldo - A reação, em parte, veio de uma mentalidade de especialização: ou você é poeta ou é músico ou faz vídeo. As pessoas ficam com um pé atrás quando o registro de atuação não está bem definido.
Veio em parte, também, pela ousadia do trabalho, que tinha, entre outras coisas, uma violentação da estrutura da canção.
Ainda assim, sempre achei que "Nome" poderia ter tocado nas rádios, como espero que aconteça com "Silêncio", que é uma continuação de meu trabalho musical.
Folha - Você acha que o experimental tornou-se uma idéia estranha à cultura pop, apesar de exemplos como Beatles e "Araçá Azul", de Caetano Veloso?
Arnaldo - Eu não concordo com essa demarcação de experimental ou pop.
Estou muito mais interessado em confundir esse tipo de limite do que em atuar em registros muito específicos.
Meu trabalho é para as pessoas curtirem. Eu faço shows e o público gosta, ninguém fica preocupado com isso.
Claro que eu lido com redundância e informação, em graus diferentes. Mas eu nunca quis ser "cult", ser um compositor para poucos.
Para mim não é um consolo achar que toquei pouco no rádio porque meu trabalho é "difícil", "especial". O fato de "Nome" não ter tocado nas rádios para mim foi um fracasso. Eu quero tocar nas rádios.
Folha - Por que você toca pouco nas rádios?
Arnaldo - Estou recomeçando uma carreira. É natural que a coisa vá devagarinho. Eu me lembro do começo dos Titãs. Era isso que acontecia. Muita ralação...
Mas acho que existe também um desejo de punição do público dos Titãs em relação a mim.
Sou visto um pouco como um "traidor", o cara que estragou a festa, que estourou a bola da criança, ao sair de uma banda que estava dando certo.
Folha - Quando você trabalhava com os Titãs nunca houve essa idéia de um compositor "difícil". A crítica também tem problemas com a sua saída?
Arnaldo - Eu tenho muito orgulho dos Titãs e há muitas semelhanças entre o que faço hoje e aquilo que fazia na época. Há diferenças, mas também há continuidade.
Esse rótulo de "difícil" é uma forçação de barra, é passional. É uma explicação fácil para justificar minha saída: "Ele agora não faz mais música pop, não faz rock, faz poesia...".
Mas, à medida que os Titãs continuam e meu trabalho vai se reafirmando a cada disco, as coisas tendem a se apaziguar no coração das pessoas.
Folha - De qualquer forma, parece estranho que surja esse tipo de problema num país onde poetas, como Vinicius de Morais, por exemplo, dedicaram-se à canção, e onde um movimento como o tropicalismo recorreu a repertórios mais elevados e a experiências de vanguarda...
Arnaldo - Eu também acho estranho. Eu me situo na tradição da música popular brasileira, que é muito sofisticada, muito rara no mundo, com uma poesia cantada de ótima qualidade. Eu acho o que eu faço muito natural.
Folha - O Brasil sempre foi muito livre em relação ao trânsito entre um repertório e outro, do culto para o popular ou para a cultura média. Essa idéia de compartimentos estanques é mais européia e norte-americana. Estaria havendo uma americanização da cultura do país, no sentido do "multiculturalismo" e da separação de áreas de especialização?
Arnaldo - Eu sinto que a grande contribuição original do Brasil para o mundo está ligada a isso. Como digo numa canção do meu disco, "somos o que somos, inclassificáveis".
Não há só uma miscigenação racial no Brasil, há também miscigenação estética. A cultura brasileira tem essa característica desde suas origens.
Lidar com as diferenças é um traço bastante brasileiro. Na música pop, por exemplo, os americanos são muito mais divididos: ou você faz jazz ou blues ou rock. Tem que ter um nome e ser identificável.
Esse esquema aplicado ao Brasil é empobrecedor. E está acontecendo, por exemplo, nas rádios, que agora são só de reggae ou só de rock ou só de axé ou pagode.
Há um desejo de setorizar. Mas isso não acontece no lado da criação: como você vai classificar o Carlinhos Brown ou o Chico Science?
Folha - "Silêncio", seu disco novo, é encarado como "mais fácil", mais musical. Mas parece haver uma continuidade em relação aos anteriores, embora haja mais definição.
Arnaldo - A convivência com a banda, que está comigo desde a excursão do disco "Nome" vai possibilitando uma definição maior de um sotaque, de uma identidade musical.
Isso está mais evidente nesse disco do que no próprio "Ninguém", que foi o disco anterior.
Os shows também têm ido muito bem. É a coisa que eu mais gosto de fazer. Eu faço discos só para poder fazer shows.
No Rio foi num lugar pequeno, mas o resultado foi muito legal, com participação da Marisa Monte e do Chico Science. Foi bom também em Curitiba e em São Paulo. Eu agora pretendo rodar o Brasil todo.

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