São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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O preço do voto é o valor do Estado

ZECA DO PT

Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o PT ganhou -mas não levou- a eleição municipal. Na capital do latifúndio, onde Collor e FHC foram campeões de votos, finalmente esgotou-se a incrível paciência dos cidadãos. Acima da motivação ideológica, pesou na votação recebida pelo PT a visível irritação com a sucessão de governos venais e incompetentes da capital nos últimos 18 anos.
De repente, como se a população tivesse ensaiado uma bela manifestação de esperança, o PT começou a crescer, o que provocou surpresa geral e desespero nos donos da cidade.
Sem dúvida, o programa de governo do PT foi o grande catalisador da campanha eleitoral. A clareza e a simplicidade das propostas de gestão participativa e as soluções criativas indicadas para os problemas concretos, inspiradas num amplo diagnóstico da cidade, foram capazes de sustentar o crescimento da simpatia popular e prometer a vitória já no primeiro turno.
A reação dos mandarins locais foi típica dos proprietários esbulhados. Nunca se viram na cidade tamanha virulência e tamanha deslealdade numa campanha eleitoral.
Mas nem o uso indiscriminado da máquina nem as pressões sobre o funcionalismo municipal e estadual nem o ataque sistemático com a cumplicidade de toda a imprensa nem a ridícula imitação do programa de governo do PT nem a tentativa de vincular o partido ao aborto, ao homossexualismo e até a um assassinato ocorrido num comício do PMDB, nada disso parecia ser capaz de impedir a vitória do PT já no primeiro turno.
Então os donos do poder e da terra demonstraram a noção que fazem do Estado e do poder: assim como nas suas fazendas compram e vendem o gado, assim também resolveram comprar a consciência dos desvalidos da periferia. Para eles, o exercício do poder é apenas um negócio, no qual a eleição é o investimento, e a execução orçamentária, o retorno infalível.
No segundo turno, foram comprados dezenas de milhares de votos... para vencer com apenas 411 votos de vantagem! Maior do que a nossa dor e frustração foi a fúria do PMDB com a pequena diferença, que o envergonhou, diante do volume de dinheiro gasto e da ilegitimidade do resultado consequente. Disputar o segundo turno com o PT já foi uma derrota. Ter de comprar milhares de votos para apenas empatar foi insuportável. Houve choro e ranger de dentes nos bastidores da campanha "vencedora".
Com esse resultado, perderam a democracia e as elites, que já não têm discurso nem disfarce. Ganharam o PT e os que acreditam no aperfeiçoamento das instituições, na democracia real e num governo de leis.
A utilização da urna eletrônica era uma esperança para evitar a fraude. Mas, se ela restringiu a possibilidade de intervir na apuração aos que têm acesso ao programa dos computadores, a inexigência de identificação do eleitor no momento de votar permitiu que os cabos eleitorais votassem com títulos de eleitor "alugados", o que se revelou uma inovação muito eficaz na velha prática de manipular eleições.
É emblemático que isso tenha ocorrido assim, como se para mostrar a verdadeira face da modernidade. A manipulação modernizada da consciência popular já não se faz com os agrados antigos do próprio candidato distribuindo presentes aos seus amigos eleitores. Agora são legiões de cabos eleitorais, com pacotes de notas de R$ 10, intimando friamente o eleitor a aceitar o preço de sua alienação. É o voto submetido às leis de mercado.
Foi por tudo isso que a eleição não acabou. Inconformados, fomos às ruas, numa das maiores passeatas que a cidade já viu. Inseguros, os peemedebistas continuaram a propaganda eleitoral. Mas não se trata mais de uma disputa de poder. O que está em jogo não é mais a eleição municipal, mas a credibilidade das instituições.
Os que "alugaram" o seu título eleitoral por R$ 40 disseram o quanto vale a ação do Estado na periferia das grandes cidades. Eles não cultivam pelo exercício do direito de voto maior apreço do que têm por ir à feira ou ao futebol. O Estado, sem controle social e refém de interesses privados, realmente, não vale nada para eles.
O povo pobre da periferia disse com precisão qual é o valor da ação do Estado. Cabe agora à Justiça Eleitoral demonstrar que eles estão errados.

José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, 46, é deputado estadual pelo PT em Mato Grosso do Sul (MS). Foi candidato a prefeito de Campo Grande (MS).

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