São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 1996
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Jari em "concordata branca" de R$ 300 milhões

CELSO PINTO

Os donos do Grupo Caemi, o segundo maior grupo minerador do país, levaram o Projeto Jari a entrar numa espécie de "concordata branca" para renegociar uma dívida de R$ 300 milhões com um grupo de 20 bancos e o BNDES.
A renegociação, uma das maiores da história bancária, tornou-se inevitável com a decisão dos controladores da Caemi de não colocar mais dinheiro no Jari, como vinham fazendo desde que ele foi comprado, em 1982.
Os bancos não têm muita opção. Os empréstimos não têm garantias.
A Caemi, Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração, é uma holding que controla a MBR, segunda maior mineradora do país, depois da Vale, entre outras empresas. A única ligação desta parte sólida do grupo com o Jari, contudo, é ser controlada pelos mesmos acionistas.
O Jari é um complexo de atividades centradas numa fábrica de celulose, que ocupa uma área do tamanho de Sergipe, no Amapá, divisa com o Pará. Nasceu do sonho visionário do bilionário americano Daniel Keith Ludwig, em 1967, e acabou nacionalizado em 82, depois de fortes pressões da esquerda e de militares, preocupados com a "desnacionalização" da Amazônia.
O fundador da Caemi, Augusto Trajano de Azevedo Antunes, foi convencido pelo então ministro do Planejamento, Delfim Netto, a assumir o projeto, com a ajuda de outros 23 grupos nacionais e do BNDES. Antunes aceitou, mas não comprometeu o patrimônio de suas outras empresas na empreitada.
Quando Antunes morreu, em setembro deste ano, o grupo Caemi ficou dividido entre dois netos seus, Guilherme e Mário Frering, filhos da filha de Antunes, Beatriz. Guilherme preside e Mário tem poder de veto. Desde a morte do patriarca, houve vários desentendimentos entre os dois.
Os problemas do Jari, contudo, não contagiam o resto das empresas controladas pela Caemi. Num certo sentido, a decisão de não mais capitalizar o Jari ajuda a concentrar esforços e recursos do grupo na sua parte mais forte.
A MBR, Minerações Brasileiras Reunidas, tinha um patrimônio líquido de R$ 464 milhões no final do ano passado, faturou R$ 345 milhões mas lucrou apenas R$ 3,5 milhões, segundo dados da revista "Conjuntura Econômica". Outro negócio interessante do grupo é a Cadam, Caulim da Amazônia S.A., com patrimônio líquido de R$ 197 milhões e lucro de R$ 6,8 milhões.
A decisão da Caemi de forçar uma "concordata branca" foi tomada há cerca de dez dias. Fontes próximas à operação garantem que o objetivo básico é viabilizar o Jari e não levá-lo à liquidação.
No final do ano passado o Jari tinham R$ 834 milhões em patrimônio líquido, R$ 1,1 bilhão em ativos, faturou R$ 178 milhões e teve um prejuízo de R$ 4,2 milhões. Desde seu início, em 67, o Jari só registrou lucro no ano de 1994.
O patrimônio líquido impressiona, mas fontes qualificadas explicam que ele é puramente contábil. Se os bancos se recusarem a negociar e tentarem reaver seu dinheiro à força, vão perder tudo, garante a fonte.
O Jari foi um projeto tumultuado desde o início. Ludwig já teria gasto US$ 1,3 bilhão no Jari quando decidiu vendê-lo, em 82, por US$ 280 milhões.
Ludwig era um visionário e imaginava inundar o mundo com celulose a partir do Jari. Trouxe uma fábrica pronta do Japão, transportada em balsas, e plantou 160 mil hectares com a amelina, uma árvore asiática que revelou-se um fracasso na Amazônia. Ela acabou trocada por pinheiros e, depois, por eucaliptos.
O projeto sofreu outros reveses, como a explosão de uma caldeira. Ainda assim, na avaliação de duas fontes, o projeto ainda pode ser rentável. Para isso, contudo, precisa de novos investimentos.
Precisa construir uma hidrelétrica que permita usar a energia elétrica e não o óleo combustível como fonte. Precisa, também, modernizar a fábrica. A seu favor, o Jari tem a proximidade do mercado americano para exportar sua celulose.
Com a decisão da Caemi de não colocar mais dinheiro, o futuro do projeto depende tanto de os bancos credores aceitarem a renegociação, por um prazo longo, talvez de dez anos, como do equacionamento dos novos investimentos, pelos próprios bancos credores, ou por novos sócios.
Os R$ 300 milhões de dívidas do Jari são, basicamente, de empréstimos de curto prazo, entre seis meses e um ano e meio, como financiamentos à exportação. A própria Caemi tem cerca de R$ 40 milhões e vai entrar na negociação como qualquer outro credor. O BNDES tem algo em torno de R$ 70 milhões. O maior banco privado credor é o Itaú.
O fato de os bancos terem aceito conceder tantos empréstimos ao Jari sem maiores garantias vinha da crença tácita que a Caemi continuaria capitalizando o projeto. Uma fonte comparou o caso do Jari ao da Fokker, a construtora de aviões holandesa.
A Mercedes-Benz era a acionista controladora da Fokker. Só que, a exemplo da Caemi, seus outros negócios não se misturavam com a Fokker, nem a garantiam. Apesar de perder muito dinheiro, os bancos continuaram a colocar dinheiro na Fokker por causa de seu controlador.
A Mercedes, contudo, decidiu parar de perder dinheiro na Fokker. Os credores se recusaram a renegociar e a empresa acabou indo à falência. O prestígio da Mercedes foi algo arranhado, mas não suas finanças.
No caso da Caemi, o interesse é evitar um desfecho desfavorável. O BNDES será parte importante da solução: ele tem mais de 20% do capital do Jari, principalmente em ações preferenciais, sem direito a voto, via BNDESPar.
Em 1994 o Jari abriu seu capital e o público tem hoje cerca de 25% do capital total. Os donos da Caemi são os maiores acionistas com ações com direito a voto na holding que controla o Jari.
Mesmo sem ser diretamente afetado pelos problemas do Jari, a Caemi está redefinindo suas prioridades. Um de seus problemas crônicos eram os maus serviços da Rede Ferroviária Federal. A MBR acabou fazendo parte do consórcio de empresas que arrematou a concessão, por 30 anos, da Malha Sudeste da Rede, por R$ 880 milhões.
A imagem da Caemi acabou arranhada, contudo, depois da morte de Antunes. Guilherme, preparado para assumir o controle do grupo durante anos, casou-se com Antônia, filha dos "socialites" Tony e Carmem Mayrink Veiga. Ele acabou mudando-se para Paris e administrou de lá o grupo, durante algum tempo.

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