São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 1996
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Tamanho do Estado

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Em discurso recente Fernando Henrique Cardoso discutiu o papel do Estado, ao tratar da globalização. Afirmou, entre muitas considerações, que as oportunidades positivas da integração entre as nações devem se basear em visão nacional das tendências globalizantes, visão que se estenderá à compreensão do que hoje significa o capitalismo no plano mundial e como gera padrões crescentes de uniformização.
Disse o sociólogo presidente que "a globalização não fornece elementos suficientes para situar o Estado no desenvolvimento de cada sociedade" e até admitiu que "em geral tende a diminuí-lo". O Estado global cumpre "funções de gestor das finanças públicas, no plano doméstico, e de negociação de tarifas sempre mais baixas no plano internacional".
Fernando Henrique não deu atenção maior ao direito envolvido na globalização, mas definiu posição que resulta em relevantes efeitos jurídicos. Foi quando manifestou ser "preferível dispor de regras transparentes e estáveis -ainda que não tenhamos sido protagonistas centrais de sua elaboração- que prevaleçam sobre o uso arbitrário do poder".
As duas anotações do presidente da República (o tamanho e o papel do Estado, simultaneamente com a nova regulamentação das relações internacionais) têm tido presença mais ou menos constante nesta coluna. Quanto ao papel do Estado, sob a ótica do direito internacional, o principal aspecto definidor de sua individualidade soberana está no equilíbrio entre a preservação de seus próprios interesses e o respeito aos interesses comuns, no grupo de nações de que participe. Tudo sob a certeza de que os tratados internacionais constituem regras jurídicas internas, em cada nação signatária.
Assim, cabe fazer acréscimo imprescindível ao que disse o presidente. As "regras transparentes e estáveis", referidas por ele, correspondem a ideal fácil de teorizar, mas difícil de realizar na prática. Internamente o Brasil é exemplo de instabilidade e não-transparência com milhares de medidas provisórias e de leis alteradas a curtíssimo prazo. No plano externo as nações mais fortes têm meios visíveis ou ocultos para impor regras que reforçam o uso arbitrário do poder. Recomendo aos que duvidarem disso a leitura de Clóvis Rossi, na página 1-2 de quarta-feira, reproduzindo declaração textual da representação norte-americana em Cingapura sobre a prioridade dos interesses dos Estados Unidos, apesar das regras da Organização Mundial de Comércio. A pluralização de nações incentivou o arbítrio, ainda que sem uso da força armada. Em 1900 havia 25 nações-territórios independentes. Em 2000 haverá quase 150, em veloz multiplicação nunca ocorrida antes.
A diminuição do papel do Estado não foi opção das nações. Como se vê com os grandes bancos internacionais, em sua qualidade de gestores transnacionais do comércio, sua conduta é impossível de ser eficazmente controlada por qualquer mecanismo estatal disponível. Hoje importantes empresas transnacionais ultrapassam 40 mil, capacitadas, assim como os bancos, para fugir à ação fiscalizadora dos Estados em que atuam, independentemente das políticas que estes adotem.
Por tudo isso tenho muita dúvida em aderir à tese presidencial de que é melhor aceitar regras de cuja elaboração não tenhamos participado, a menos que os invocados conceitos de transparência e estabilidade tenham sido amplamente confirmados no debate democrático, entre todos os que podem opinar a respeito.

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