São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ministro defende gastos com usinas nucleares

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

RUI NOGUEIRA
São dele os programas nuclear e espacial, a política para a Amazônia, o zoneamento ecológico e a ordenação e ocupação territorial.
Dessas cinco tarefas, a SAE chega ao final do ano com uma vitória e um temor: a retomada dos investimentos na área nuclear e o medo de que o sempre apertado Orçamento Geral da União coloque em risco essa retomada.
"É duro planejar e incentivar os técnicos e, depois, começar a rever metas a atrasar por falta de dinheiro", queixa-se. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - Por que, depois de um histórico tão tumultuado e emocional, mesmo quando a produção de energia nuclear era apenas para a geração de energia elétrica, o governo FHC resolveu reativar o programa nuclear?
Ronaldo Sardenberg - A posição que o governo tomou está na Constituição. A produção de energia nuclear no Brasil deve restringir-se a finalidades pacíficas.
Ao lado disso, houve um problema nos anos anteriores: pouco investimento na área de produção de energia elétrica. Nós chegamos ao ponto de, no Sudeste, estarmos razoavelmente apertados.
E o fato é que há uma demanda crescente por energia -o consumo doméstico cresceu 11% nos últimos 12 meses. É uma taxa altíssima, derivada do início da mudança na distribuição de renda.
Folha - Quando o sr. fala do aumento do consumo de energia, está se referindo às classes de menor poder aquisitivo que passaram a ter acesso a produtos como os eletrodomésticos. Dá para notar isso na demanda por energia elétrica?
Sardenberg - Sim, do chuveiro à televisão, passando pela geladeira. Havia essa percepção da demanda e isso motivou a decisão de acelerar a construção de Angra 2. E colocar Angra 1 em regime de produção normal, a 93% ou 94% da sua potência.
Folha - Acabou aquele jeito pirilampo, apaga-acende, em que vivia Angra 1? Ela representa quanto no fornecimento de energia na região Sudeste?
Sardenberg - A produção está regularizada e contribui para que não haja déficit. É uma usina pequena, de 600 megawatts. Angra 2 terá o dobro de potência -Itaipu é 12 milhões de megawatts.
Enquanto isso, estão sendo tocadas 70 obras na área hidrelétrica. Angra 2 tem o final das obras previsto para 98 e entra em funcionamento rotineiro no primeiro semestre de 99.
Folha - O que há de pesquisa nova em torno do fator segurança, que tornaria a energia nuclear mais palatável?
Sardenberg - Para efeitos a longo prazo, hoje já se pesquisa em cima da produção de um reator seguro. No Brasil, assim que houver uma folga financeira, pretendemos entrar nessas pesquisas. Porque quem tiver conhecimento nessa área, a longo prazo, coisa para 30 a 50 anos, sai na frente.
Folha - O que é um reator seguro?
Sardenberg - Um reator que não explode. Desliga antes de explodir -como um computador que dá pane, mas não explode. Esteve aqui um prêmio Nobel de Física (1984), o professor Carlo Rubbia, que deu uma aula sobre a possibilidade de usar tório para fazer um reator seguro e disse que existem pesquisas na Europa, EUA e Japão sobre um reator em que a reação não prossegue de forma independente, desliga automaticamente. Como o Brasil tem enormes reservas de tório, pelo menos 1 milhão de toneladas, três a quatro vezes a reserva de urânio, é bom pensar nisso -sempre a longo prazo, é claro.
Seria lamentável que, com reservas tão grandes, não tivéssemos nenhum conhecimento nessa área.
Folha - Como responsável pela área nuclear no Brasil, o sr. saberia dizer o que é folclore e paranóia e o que é real nesse noticiário sobre o perigo das usinas nucleares dos países do Leste Europeu e o contrabando de produtos nucleares?
Sardenberg - Não sou técnico, ouço dizer que há problemas com essas usinas. Mas ouço dizer também que há programas de controle e conversão. Com relação a tráfico de produtos nucleares, há um sistema internacional de salvaguardas, e, no nosso caso, nós só movimentamos urânio ou qualquer outro produto nuclear dentro do sistema dessas salvaguardas.
Folha - O Brasil elaborou e aprovou neste ano a sua primeira política de defesa. Qual é a linha mestra dessa política e em que afeta os nossos vizinhos?
Sardenberg - A linha mestra é o conceito de defesa nacional sustentável. Isso quer dizer que, por um lado, você tem de zelar pela segurança do Estado e, por outro lado, pela segurança da população.
Não se pode gastar tanto na segurança do Estado a ponto de comprometer o bem-estar da população. Isso aconteceu na ex-URSS e deu no que deu. Outro conceito claro dessa política: é uma política defensiva.
Folha - O Brasil se posiciona como líder no continente sul-americano. Isso não pode transformar a integração latino-americana em um blablablá?
Sardenberg - Essa palavra líder é muito forte. O que se faz na prática, para evitar o blablablá, é a integração física, a integração energética, compras nos vizinhos. Estamos importando mais de 100 mil barris/dia de petróleo tanto da Venezuela como da Argentina, já temos um acordo com o Equador para importar mais 35 mil barris/dia. Temos o gasoduto com a Bolívia. Tudo isso gera interesses comerciais.
Folha - O sr. não participa da idéia vulgarmente propalada de que as Forças Armadas no mundo estariam encolhendo...
Sardenberg (levanta-se e pega um jornal que diz que os EUA devem investir, em 97, cerca de US$ 250 bilhões em defesa) - Se os EUA vão aplicar US$ 250 bilhões ano que vem, isso, provavelmente, é menos do que já aplicaram, mas é muito.
Essa questão de gastos com defesa tem de ser vista como um processo. Não adianta fazer comparações ano a ano. Os países que estavam especialmente engajados na Guerra Fria tinham despesas extraordinárias que não têm mais.
Então, essas despesas foram reduzidas. Na prática, dentro do sistema de defesa norte-americano, a garota de Ipanema, quando mergulha nas águas do Atlântico Sul, está, sem saber, passando a fronteira entre o Comando Militar Sul e o Comando Atlântico dos EUA. Porque os EUA, que são a principal potência mundial, organizam a sua defesa em termos mundiais. Essa visão de defesa não mudou. Baixar de 10.000 para 3.500 o número de cabeças de ogivas nucleares significa muito em termos de paz no mundo, convivência etc. Mas as 3.500 cabeças que EUA e Rússia ainda podem ter bastam para destruir o mundo.
Folha - Como é que o governo FHC olha para a Amazônia: com um olhar paranóico, um olhar desenvolvimentista...
Sardenberg - A Amazônia é complexa e uma região menos favorecida -tem cerca de 10% da população e uma participação no PIB (Produto Interno Bruto, soma de tudo que é produzido) da ordem de 4% a 5%.
Logo, há um certo descompasso. A presença das Forças Armadas na região, na minha avaliação, ainda é muito pequena. As unidades, por exemplo, que integram o projeto Calha Norte (1,2 milhão de km2, somam pouca gente.
São unidades do tamanho de pelotão -de 30 a 60 homens, no máximo. As condições de vida são muito duras. Para estar ali precisa ter uma idéia de missão.
Folha - Como está o projeto de redivisão física da Amazônia?
Sardenberg - A criação de novos territórios é um problema muito complicado. Quando entrei em contato com o assunto, pensei que se resolveria a questão com a criação de um ou dois territórios, da maneira mais rápida.
Na verdade já existem sete propostas (no Congresso) para criação dos seguintes territórios: Marajó, Tapajós, Parintins, Rio Negro, Solimões, Juruá e Abunã.
Então, no início de 97, vamos nos reunir para discutir profundamente esse assunto e, primeiro, concluir se a criação de territórios é mesmo a solução.
Não adianta criar territórios se não tivermos um programa de atuação. Caso contrário, vamos apenas criar mais empregos para funcionários públicos.

Texto Anterior: Só com diploma
Próximo Texto: Esquema vende mais potência para FMs
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.