São Paulo, terça-feira, 24 de dezembro de 1996
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Gravação revela loteamento de concessões

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Folha obteve ontem outra fita gravada com Naura Beatriz Severo, assessora do deputado João Iensen (PPB-PR), na qual ela admite que três concorrências públicas para venda de concessões de rádio, a serem lançadas ainda no ano que vem pelo governo, já estariam com "cartas marcadas": para Blumenau e Joinville (SC) e para São José do Rio Preto (SP).
O Ministério das Comunicações não se pronunciou sobre o assunto. O secretário-executivo do ministério, Renato Guerreiro, disse que o caso está sob investigação da Polícia Federal.
A fita foi gravada na última quinta-feira (dia 19) por um empresário que pediu para não ser identificado. O diálogo, portanto, ocorreu na véspera da publicação da reportagem da Folha que revelou o esquema de intermediação de venda de concessões.
Na conversa, o empresário diz que obteve os números dos telefones de Beatriz por meio de Rubinaldo Cabral (o Biná), que integra o esquema de intermediação e atua em São Paulo.
Ele simula estar interessado em comprar seis concessões de rádio FM: cinco em Santa Catarina -nas cidades de Criciúma, Joinville, Blumenau, Florianópolis e São José- e outra em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, por intermédio do esquema centralizado por Beatriz.
A assessora anota as cidades citadas pelo empresário e, momentos depois, liga de volta com uma surpreendente informação. Diz que as concessões para Joinville, Blumenau e São José do Rio Preto já estavam vendidas, e que só continuavam disponíveis as concessões para Criciúma e São José, ambas em Santa Catarina.
Ele pergunta, então, sobre a possibilidade de obter uma concessão em Florianópolis. Beatriz também descarta essa possibilidade e diz que as capitais estariam reservadas para o governo federal.
"Criciúma e São José me interessam. Então, qual é o próximo passo?", pergunta o empresário. Beatriz pede o número de fax dele e diz que lhe mandaria a minuta do contrato. O documento deveria ser feito em três vias, com assinatura reconhecida em cartório.
Ela diz que uma cópia do contrato ficaria com o Ministério das Comunicações. "Você manda uma cópia para eles?", pergunta o empresário e ela responde: "Eu entrego (...) porque não se sabe se amanhã a gente está vivo. Como o dinheiro não é pouco, alguém tem de dar continuidade ao trabalho".
O empresário também enviou à Folha a cópia da minuta do contrato que, segundo ele, lhe foi enviada por Beatriz no mesmo dia 19. O texto é idêntico ao que havia sido obtido pela reportagem da Folha.
O contrato estipula o preço de R$ 50 mil pelo serviço de Beatriz, dos quais R$ 25 mil deveriam ser pagos adiantados, e o restante, após a publicação do ato de concessão no "Diário Oficial da União".
No contrato, ela se compromete a devolver a parcela adiantada, caso não consiga a concessão, no prazo máximo de oito meses.
Na fita, a assessora diz ao empresário que ele deve se apressar, se realmente quiser ficar com as concessões em Criciúma e São José. Ele volta à questão das rádios para Blumenau, Joinville e São José do Rio Preto, mas Beatriz é enfática: "Não pinta mais". "Você tem certeza?", insiste o empresário, e ela responde: "Tenho, porque o pessoal já acertou essas".
Até agora, o ministro Sérgio Motta tem afirmado que a intermediação de venda de concessões não passa de uma golpe de pessoas sem conexão com o governo. A fita gravada pelo empresário indica a possibilidade do contrário. Afinal, se fossem apenas golpistas, eles não recusariam o negócio.

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