São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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Filhos de sem-terra deixam movimento

FÁBIO SANCHEZ
ENVIADO ESPECIAL A PRESIDENTE PRUDENTE

O idealismo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) não consegue cativar adolescentes e jovens. Eles estão deixando os assentamentos e acampamentos para estudar e trabalhar nas cidades vizinhas.
A escassez de pessoas dessa faixa etária é uma das conclusões de pesquisa realizada junto a famílias do MST pelo setor de educação da entidade e pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Segundo o levantamento, 48% dos sem-terra são crianças com menos de 12 anos. O número é muito superior à média brasileira.
Segundo o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as pessoas com até 14 anos não ultrapassam 37% da população do país.
A pesquisa também concluiu que os adolescentes, com idade entre 13 e 18 anos, são apenas 11% dos integrantes do movimento.
Os demais, classificados como "adultos", chegam a 41% dos entrevistados.
A pesquisa não aferiu a idade média dos adultos, mas os integrantes do movimento dizem que é elevada. Zelitro Luz da Silva, 35, da direção do MST em São Paulo, acredita que a média é de 45 anos.
Evasão
"Há uma grande evasão de jovens no movimento dos sem-terra", afirma Bernardo Mançano Fernandes, professor de metodologia em geografia da Unesp de Presidente Prudente e coordenador da pesquisa.
Ele atribui a evasão à falta de perspectivas de vida nos assentamentos e acampamentos, onde geralmente não há escolas de 1º grau, opções de lazer e perspectivas de progresso profissional.
"Se esse jovem não tiver um emprego ou outros vínculos no assentamento, vai procurar em outro lugar", diz Fernandes. O destino são as cidades, onde podem encontrar trabalho, escolas e lazer.
Para Fernandes, esse fenômeno coloca o movimento dos sem-terra em uma "encruzilhada" a médio prazo: "O jovem sai porque não vê futuro. Mas o assentamento não se viabiliza sem o jovem, que é a maior força produtiva".
Essa situação fez surgir uma geração de filhos com objetivos que diferem dos defendidos pelos pais.
É o caso de Reinaldo Rainha, 18, sobrinho do líder José Rainha Jr. e um dos poucos jovens que moram no assentamento Santa Clara, entre Sandovalina e Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema (extremo oeste de São Paulo).
Ele quer deixar o campo para fazer um curso de medicina: "É a minha vontade desde pequeno".
Comida na mesa
"Ideologia não põe comida na mesa de ninguém", diz o líder Zelitro Luz da Silva. Para ele, os jovens se interessarão pela reforma agrária quando "a tecnologia chegar", ou seja, quando os assentados utilizarem técnicas como irrigação e tiverem usinas de beneficiamento próprias.
O desinteresse juvenil tornou-se um drama para Euclides Turatu, 78, e sua mulher, Amélia, 73.
O casal acha que seu neto, Flávio Balestero, 15, deixará o local em breve. "Quando entender que a vida na roça é sacrificada, ele vai fazer como os irmãos: procurar coisa melhor", afirma a avó.
Educação
A pesquisa da Unesp foi realizada no final de 1995 junto a assentamentos (70% dos entrevistados) e acampamentos (30%) do movimento em 12 Estados. Foram ouvidas 2.978 famílias, a maioria de São Paulo (468).
Concluiu-se que 43,4% dos pais cursaram até a 4ª série do 1º grau, 10% nunca frequentaram a escola, e 29,7% são analfabetos.
O levantamento também concluiu que a evasão escolar é muito grande entre os trabalhadores sem terra: enquanto 30% dos estudantes estão na 1ª série do 1º grau, apenas 1,6% frequenta a 8ª série.

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