São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aos 99, Barbosa Lima combate reeleição

MAURICIO STYCER
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O jornalista, que no próximo dia 22 de janeiro completa um século de vida, condena a privatização da Vale

A menos de um mês de completar 100 anos, o jornalista Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho continua na frente de batalha.
O seu alvo atual é o governo FHC. Barbosa Lima Sobrinho não se conforma com a intenção do presidente Fernando Henrique Cardoso de tentar alterar a Constituição para disputar a reeleição.
Também não demonstra cansaço ao se engajar na luta contra a privatização da Vale do Rio Doce. "A entrega (da empresa) ao domínio privado é uma capitulação, que não admito para o futuro do Brasil", disse à Folha.
No próximo dia 22 de janeiro, dia do seu centenário, Barbosa Lima Sobrinho será homenageado com uma missa na Candelária, no Rio. Lúcido, não quer receber nenhuma homenagem antes da data. "Essa data é importante para a causa que defendo", diz.
Nos dias 12 e 13 de dezembro, em meio às suas atividades na Academia Brasileira de Letras e na Associação Brasileira de Imprensa, o jornalista conversou com a Folha. A seguir, trechos da entrevista:
*
Folha - Qual será a próxima campanha em que o sr. vai se engajar?
Barbosa Lima - (risos) Ainda não sei. As que possam vir a interessar o Brasil, ainda me encontrarão em campo, se estiver lúcido. Porque tenho que obedecer às leis da natureza e não posso garantir que no ano próximo ainda esteja em condições de me pronunciar.
Maria José (mulher de Barbosa Lima) - Você está falando bobagem, Alexandre. Tenha santa paciência! Você vai estar lúcido até morrer.
Folha - Qual é a sua maior preocupação hoje?
Barbosa Lima - Em todas as constituições republicanas, pelo menos nas constituições legítimas, sempre se considerou inelegível o presidente da República para a sua própria sucessão. Esse é um dispositivo fundamental.
Folha - Por quê?
Barbosa Lima - Porque ninguém pode ter idéia do gasto que vai fazer um presidente que se candidate à reeleição, além das concessões que tem que fazer.
Folha - O sr. está decepcionado com o governo FHC?
Barbosa Lima - Eu sou imune a esse sentimento. O que me cabe fazer, estou fazendo: é combater, combater essa idéia de reeleição.
Folha - Nos últimos cem anos, qual foi, na sua opinião, o melhor período de vida dos brasileiros?
Barbosa Lima - Isso é muito relativo. Em todos os períodos, houve sofrimento. Agora, eu achei que o pior período para os brasileiros foi o regime militar, após 1964.
Folha - Por quê?
Barbosa Lima - Eu esperava que o Exército defendesse os interesses fundamentais do Brasil. E, a começar por Castelo Branco, foi uma fase de entrega total ao estrangeiro.
Folha - Essa situação continua?
Barbosa Lima - A gente vê que o governo atual é tão entreguista como foram os governos militares.
Folha - Por que o sr. é contra a privatização da Vale do Rio Doce?
Barbosa Lima - Porque as promessas da Vale são promessas que asseguram o futuro do Brasil. A entrega ao domínio privado, que nem sempre será brasileiro, é uma renúncia, uma capitulação, que não admito para o futuro do país.
Folha - Como o sr. vê a integração econômica entre países vizinhos, através do Mercosul?
Barbosa Lima - O movimento de aproximação com os Estados mais próximos é louvável. Só lamento que esses países estejam se entregando aos estrangeiros, como é o caso de Argentina e México.
Folha - O sr. vê os Estados Unidos como o grande inimigo do Brasil?
Barbosa Lima - Os Estados Unidos cumprem com o seu papel. Se ele encontra entreguistas nos outros Estados, temos que condenar esses países, e não os EUA, que se aproveitam da fraqueza deles.
Folha - O sr. critica muito a falta de patriotismo dos governantes brasileiros. Essa é a causa dos principais problemas do país?
Barbosa Lima - O Brasil tem problemas graves para resolver. O povo brasileiro precisa acordar. Como elegem pessoas que lutam contra o seu futuro? A responsabilidade total está com o eleitorado. E eu acredito que o eleitorado algum dia despertará para escolher brasileiros que lutem pelo progresso do país.
Folha - Quem, na sua opinião, hoje seria um bom presidente?
Barbosa Lima - Apoiei Itamar (Franco). E, dos nomes que estão aí, ainda me parece o que, no íntimo, deseja lutar pelo futuro do Brasil. Embora o governo dele tenha sido, em vários pontos, mutilado pela influência estrangeira.
Folha - No seu último mandato como deputado, em 58, o sr. foi eleito pelo Partido Socialista Brasileiro. Hoje, algum partido de esquerda oferece uma alternativa de poder?
Barbosa Lima - Nenhum, exceto, talvez, o Partido Socialista Brasileiro. Mas não sei se o PSB está atento às necessidades do Brasil.
Folha - O que seria importante para um partido de esquerda hoje?
Barbosa Lima - Não aceitar nunca uma política que prejudique o Brasil. Não sou adepto do nacionalismo apenas aqui. Acho que todos os países devem ser profundamente nacionalistas.
Folha - Qual é o problema dos partidos políticos brasileiros?
Barbosa Lima - Em 1968, no livro "Presença de Alberto Torres", escrito para reagir contra o entreguismo dos militares, eu disse que, no Brasil, só havia dois partidos: o partido de Tiradentes, defendendo os interesses do Brasil, e o partido de Joaquim Silvério dos Reis, traindo os interesses do Brasil.
Folha - Continua assim?
Barbosa Lima - Acho que essa é a realidade do Brasil.
Folha - Essa palavra muito em moda hoje em dia, globalização, não interessa ao Brasil?
Barbosa Lima - O antigo liberalismo veio a se chamar neoliberalismo e hoje se chama globalização. É uma maneira de procurar palavras que disfarcem a essência profunda desse conceito, que é a prosperidade das grandes potências.'

Texto Anterior: O turismo e o câmbio
Próximo Texto: Um século de vida
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.