São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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1997

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nesta época do ano o cronista, mesmo semanal, se vê invariavelmente em apuros. Baixa uma tremenda falta de assunto. Percorram as colunas. O cenário é desolador.
Peço, portanto, a indulgência do leitor para tratar de um assunto óbvio: as perspectivas para 1997.
A indulgência é necessária por outra e mais grave razão. A capacidade de previsão dos economistas é notoriamente limitadíssima. Somos, é verdade, extraordinários profetas do passado, eternamente predispostos a decretar a "inevitabilidade" ou a "inexorabilidade" de tudo o que já aconteceu -traço da profissão que contribui, diga-se de passagem, para propagar as atitudes conformistas sempre valorizadas pelos governos do momento e pelos interesses econômicos dominantes.
Mas esse fatalismo retrospectivo contrasta singularmente com a nossa incapacidade de antecipar o futuro. Os acontecimentos marcantes e até mesmo as mudanças mais modestas possuem não sei que capacidade de escapar aos nossos radares. Só mesmo a falta de assunto explica que os meios de comunicação ainda nos peçam previsões.
As prestigiadas previsões quantitativas são particularmente precárias. Embora protegidas, em geral, por um jargão pseudocientífico, as projeções numéricas que povoam as páginas da imprensa em fim de ano são, na melhor das hipóteses, palpites mais ou menos informados. Às vezes não passam da mais pura picaretagem.
Assim, as considerações que se seguem serão essencialmente condicionais e qualitativas. O nosso instrumental permite, no máximo, antecipar a direção do movimento de algumas variáveis básicas.
Vamos começar pelo lado positivo. A menos que ocorra algum desastre, as perspectivas em termos de inflação são boas, até muito boas. Em 1997, pela primeira vez desde os anos 50, parece provável que a taxa anual de inflação, medida por índices de preços ao consumidor, fique em um dígito. Um feito considerável para um país que há poucos anos parecia condenado à superinflação.
Por outro lado, em termos de crescimento da economia e geração de empregos, as perspectivas não são tão favoráveis. O mais provável é que a economia continue crescendo bem abaixo do seu potencial e bem menos do que o necessário para produzir uma melhora sensível das oportunidades de emprego.
Não imagine, caro leitor, que o crescimento medíocre seja uma exigência do combate à inflação. O Brasil poderia crescer bem mais do que cresceu em 1995-96 sem ameaçar o programa de estabilização.
Sob certos pontos de vista, o aumento do nível de atividade até ajudaria a consolidar a estabilização. Do ponto de vista fiscal, contribuiria, por exemplo, para aumentar a arrecadação tributária e diminuir certos tipos de gasto, como as despesas com o seguro-desemprego. Além disso, reduziria os índices de inadimplência, facilitaria o ajustamento do sistema bancário e diminuiria, portanto, o uso de recursos públicos no socorro a instituições financeiras.
O problema básico é de outra natureza. A aceleração do crescimento ajuda o ajuste das contas públicas, mas agrava o déficit comercial e na conta corrente do balanço de pagamentos.
Com a moeda brasileira excessivamente valorizada, uma recuperação, ainda que moderada, do nível de atividade já provoca desequilíbrios significativos na balança comercial e na conta corrente. Quando o crescimento econômico é mais expressivo, o desequilíbrio externo tende a alcançar proporções problemáticas.
Nem todos reconhecem a existência desse problema. Um certo diretor do Banco Central, por exemplo, vem sustentando que o déficit em conta corrente não é um conceito "relevante".
Haja paciência. Como dizia Nelson Rodrigues, "subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos". A mistura de oficialismo e ignorância que comanda grande parte do noticiário econômico permite que esse tipo de impostura se propague praticamente sem crítica.
É a mesma velha história. Quando um país se deixa aprisionar por políticas cambiais irrealistas, sempre aparece alguém disposto a proclamar barbaridades como essa. O público leigo, que é quem no final será chamado a pagar a conta, fica numa perplexidade de dar dó.
Evidentemente, há um sentido em que o referido diretor do Banco Central tem razão. Do ponto de vista político (ou politiqueiro), a relevância do déficit de balanço de pagamentos em conta corrente se aproxima de zero.
O eleitorado responde basicamente a questões como custo de vida, salários e emprego. Não toma conhecimento do balanço de pagamentos. Mal sabe do que se trata. Tem, quando muito, uma vaga noção do que seja a balança comercial.
Desse modo, quando há disponibilidade de capitais estrangeiros, a tendência dos governos míopes é sacrificar o equilíbrio externo. Esse é o tipo de consideração que está por trás das previsões de expressivo aumento do déficit externo em 1997.
Volto ao assunto na semana que vem.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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