São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996 |
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A meio pau
CARLOS HEITOR CONY Rio de Janeiro - Amaldiçoada como uma cidade bíblica coberta de ignomínia e pecado, o Rio talvez nem merecesse a provação final deste ano: justo quando as árvores acesas quebram a treva de nossas noites, quando todos se preparam mais uma vez para as grandes festas -a fatalidade se abate sobre nós em forma de decreto municipal que nos condena ao luto pela morte do Macaco Tião.Deus é testemunha de que não tenho nada contra os macacos, muito menos pelo Tião, que mereceu o voto de 400 mil cariocas numa eleição recente. Não me lembro se votei nele, acho que não, estou em dúvida, sempre voto em gente que não é eleita, e o nosso Tião, apesar da excelente performance eleitoral, não chegou lá. Tão lamentável quanto a morte dele foi a prova de incivilidade e desrespeito do povo carioca que não cumpriu satisfatoriamente o decreto do nosso alcaide. Não vi bandeiras a meio pau -como é costume e lei. Fiquei de passar pelo Palácio da Cidade e pela casa do prefeito para ver se, ao menos nessas cidadelas cívicas, o dispositivo legal do nosso luto estava sendo cumprido. Mau cidadão e deplorável munícipe, preferi curtir os amigos em boas rodadas de uísque e comidas: Jorge Zahar e família, Millôr, Chico Caruso, Janio, Sérgio Augusto, Ruy, João Máximo, João Luiz. Cito-os nominalmente para entregá-los ao opróbrio: também eles se lixaram para o luto oficial decretado pelo alcaide Maia. Justo na hora em que o Tião, acompanhado pelo pranto solitário do prefeito, baixava à mãe-terra, nós bebíamos e comíamos alacremente. Nos tempos autoritários, o governo brasileiro também decretou luto oficial pela morte do Papa Doc. Tirante as carpideiras de sempre, que choraram e botaram bandeiras a meio pau, foi obsceno o desprezo do povo brasileiro à dor que a morte do ditador do Haiti provocou nos círculos oficiais. Temos muito a aprender em matéria de cidadania. Texto Anterior: O drama da saúde Próximo Texto: Idade das trevas Índice |
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