São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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Bailarino vira mendigo em SP

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

O homem negro e calvo, de barba longa, que perambula pelas ruas dos Jardins, bairro nobre de São Paulo, talvez não se lembre, mas já brilhou em palcos do país e da Europa.
Foi um bailarino e coreógrafo de talento, reverenciado por críticos e colegas. Hoje vive como mendigo, alheio e solitário.
Entre 1977 e 1993, o gaúcho Jairo Sette Mendes da Silva, 39, trabalhou nas principais companhias brasileiras de dança.
Incorporou o primeiro elenco profissional do Cisne Negro -o que lhe valeu, em 1979, um prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como bailarino revelação.
Também no Cisne Negro, há 13 anos, protagonizou uma célebre montagem de "O Quebra-Nozes". Interpretava um boneco que vira príncipe no Natal, quando é dado de presente à menina Clara.
O espetáculo -com música do compositor russo Piotr Tchaikovski- alcançou tanto sucesso que, desde então, o grupo o reencena todo o mês de dezembro.
Sette ainda atuou no Balé da Cidade de São Paulo, um dos corpos estáveis do Teatro Municipal. Lá se notabilizou em coreografias de Luiz Arrieta, como "Eterno Infinito" e "Presenças".
Fora do Brasil, durante a década de 70, fez cursos no renomado Alvin Ailey American Dance Theatre, de Nova York, que estuda as raízes negras da dança.
Pouco mais tarde, passou pelo Ballet du Grand Théâtre de Genève (Suíça), sob direção do coreógrafo argentino Oscar Araiz.
Formado em Educação Física na Universidade de São Paulo, jogou vôlei quando criança e adolescente. Conquistou dois títulos nacionais, o infantil de 1973 e o juvenil de 1976, ambos defendendo a seleção paulista.
Há três anos, mergulhou em profunda crise existencial, renegou o passado e abandonou tudo.
Longe dos amigos e da família, dorme sob marquises e vagueia pela cidade. Carrega sempre um pedaço de pau e uma mala de náilon preta, cujo conteúdo não mostra para ninguém.
Fala sozinho, mas dificilmente conversa com quem se aproxima. Rude, não explica por que se isolou e rejeita o interlocutor gritando frases do tipo: "Abracei a miséria e tenho que continuar assim".
Mês passado, o coreógrafo Raymundo Costa montou no Centro Cultural São Paulo um espetáculo para homenagear Sette.
Chamava-se "Falling Angels" (Anjos Caídos) e tentava expressar a angústia que aflige o homem urbano à beira do terceiro milênio.
Costa conheceu Sette em 1981, quando dançavam no Balé da Cidade. Depois, o perdeu de vista.
Apenas recentemente descobriu que o colega está vivendo nas ruas. Esforçou-se para achá-lo, mas não conseguiu. Mesmo assim, quis lhe prestar a homenagem.
Por meio de "Falling Angels", a Folha soube da história de Sette. Resolveu procurá-lo e teve mais sorte que Raymundo Costa.
As buscas demoraram 27 dias. Foram consultadas 19 pessoas -entre amigos, conhecidos e familiares do bailarino.
Na noite de 17 de dezembro, a reportagem o avistou pela primeira vez. Logo notou que Sette frequenta sempre os mesmos lugares.
Para garantir o pouco de privacidade que o coreógrafo ainda possui, o jornal decidiu não revelar exatamente onde ele se encontra.

LEIA MAIS sobre o bailarino à pág. 4-7

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