São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 1996
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Quando janeiro chegar

JOSÉ SARNEY

Desvendar o tempo futuro sempre foi uma sedução para o bicho homem. A consciência dá-lhe o domínio de saber o tempo presente. "Penso, logo existo". Mas o futuro, esse é tarefa dos videntes e profetas. Eles sempre acompanharam o poder, influenciaram os tronos e por suas palavras, muitas vezes, os deuses anunciaram seus planos.
Nada mais excitante do que um oráculo. O de Delphos, por exemplo, foi o que mais deixou marcas que perduram até hoje. Predizia e ensinava a pensar. Um dracma, uma sentença: "In omnibus respice finem" (em todas as coisas busca a finalidade). Sabendo-se o fim, sabe-se a intenção.
Todo ano que chega é tempo para previsões. Socorre-se a tudo: búzios, cartas, espíritos encarnados, delírios, sonhos, qualquer coisa serve para tentar descobrir o que vai acontecer. Em política, saber o futuro é mais sedutor do que viver o presente.
Outro dia, para tranquilidade minha e de um entrevistador que perguntava sobre o meu futuro político, respondi: "Não tenho crises existenciais. Não tenho mais futuro, tenho passado. Meu futuro é administrar o passado".
A pior angústia da vida política é querer administrar a ambição do futuro. Há na política uma lei, talvez a mais constante de todas, segundo a qual "o imprevisto sempre acontece".
Na crise do início dos anos 60, que levou a 64, Magalhães Pinto e Osvaldo Perucetti (presidente da UDN de Minas Gerais) foram a Araxá ouvir dona Maria do Correio, a vidente mais famosa de Minas. Ela era conselheira de Benedito Valadares e Israel Pinheiro, que por sua vez recebia mensagens criptografadas de João Pinheiro, seu pai, grande sábio político mineiro que quase saiu candidato à Presidência da República no lugar do Hermes da Fonseca, com apoio de Rui Barbosa.
Dona Maria colocou as cartas. Magalhães estava de namoro com Jango. Veio um ás de copas, Perucetti interpretou: "É a Marinha". Veio um ás de espada. "É o Exército". Outra carta, um ás de ouro. "É a Aeronáutica".
"Este é o caminho", disse a vidente, "saia de onde está, senão é a desgraça". A partir daí Magalhães começou a conspirar, largou Jango e Minas saiu na frente na Revolução de 31 de março de 64. Otto Lara Resende dizia que desse episódio nasceu uma virada de nossa história! A força das videntes!
Agora, o presidente Fernando Henrique deve estar atrás dos búzios. O que virá em 1997, um ano decisivo? Qual a carta que desvendará a reeleição? Quando janeiro chegar, o baralho ainda será mistério e é preciso estudar esse mês.
Eleição? Reeleição? Estabilidade? Especulação? Que farão o Maluf, o Lula, o Covas, o Serra, o Serjão? E os rumos do Sarney e Itamar?
Ah os anos! Eles trazem sempre vitórias e derrotas. Mas, como dizia Lin Yutang, não se sabe se dos fatos resultam um bem ou um mal, porque todo mal tem um bem, e todo bem tem um mal.
Desse barro se faz a sorte dos homens e da humanidade.

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