São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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... E o frango pagou o pato!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Toca o telefone. 4h55 da manhã. É o Matias, velho amigo, produtor agrícola que, agora, se meteu a exportar carne de frango.
Ele está apavorado com as restrições sanitárias que a Europa, Estados Unidos e Japão estão exercendo contra os seus franguinhos de leite. Só para adentrar a fronteira, a União Européia sobretaxa o seu frango com 73%.
No ano passado acharam que o frango do Matias estava com a doença de New Castle. Vieram três veterinários da Europa. Entraram no seu galinheiro, examinaram a frangada, a água, ração, vitaminas etc. -e o Matias junto, que por fim perguntou: "E daí?".
"Não achamos nada", disseram. "Mas vamos manter as restrições. O senhor deve reclamar em outro departamento -o governo. Descobrimos que suas agências estão despreparadas para fiscalizar a New Castle."
O Matias enfureceu. Afinal, a equipe passou três dias na sua propriedade; comendo e bebendo do bom e do melhor -aliás, adoraram o seu frango com polenta.
Essa é a sina do Matias. Cada vez que aparecem uns "gênios" no pedaço, a sua conta vai para o vermelho e o gerente do banco manda uma daquelas cartinhas de amor dizendo que, apesar de nutrir o maior respeito pelo seu trabalho, ele, Matias, tem se dirigir a um outro departamento -o de cobrança. Ultimamente, ele tem vivido de departamento em departamento.
Decifre esta charada: os Estados Unidos, que eram os maiores exportadores de frango para a Rússia, foram proibidos de exportar por causa de salmonelose. O Brasil, que foi barrado pelos Estados Unidos, passou a ser o maior exportador de frangos para a Rússia. O Matias não entendeu nada. Nem eu.
No comércio internacional, virou moda levantar obstáculos técnicos. Eles são "os dentes mais afiados" dos importadores. Pobre Matias. Virou onça quando disseram que o seu franguinho era uma ameaça à humanidade.
Não perdeu tempo. Devolveu a pedrada no mesmo tom dizendo que a maior ameaça do planeta são os "fast-food". De fato, um café da manhã com dois ovos fritos tem 514 mg de colesterol. Se a isso somarmos um cachorro-quente no almoço e um hambúrguer na janta, são 1.200 mg de colesterol. Quatro vezes o tolerável -que é de 300 mg por dia!
A sua revolta é justificável. Ninguém provou que os seus frangos matam seres humanos. Ao contrário, são eles que estão fazendo a festa do povão nestes tempos de Plano Real. Por aqui, ao que se saiba, ninguém está rasgando dinheiro ou deixando de comer o frango do Matias.
Estou do lado dele e não abro. Só o Brasil não percebe que as nações mais ricas recomendam o livre comércio para nós, e o protecionismo para elas. Já me tinham dito que as raposas são loucas por frango... Mas, desta vez, o frango é quem pagou o pato.
Feliz Ano Novo a todos! E rezem pelo Matias.

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