São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Circo do Gugu tem galinha, Tiririca, tucano...

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num desses encontros de ciências sociais que a imprensa acompanha para divulgar ao público o que andam pensando os colegas de FHC, uma promissora antropóloga, sempre muito simpática, confessou num momento de descontração, no intervalo entre uma conferência e outra, que seu passatempo preferido na TV é o "Domingo Legal", programa apresentado por Gugu Liberato no SBT de Silvio Santos.
Como a revelação se fez sem qualquer traço de ironia e até com uma pontinha de vergonha (mas bem pouca), o jornalista ali presente acreditou na boa-fé da jovem pesquisadora. Coisa de antropólogos, pensou consigo. Um caso comovente, talvez um pouco deslocado, de empatia por aquele que um dia já foi o objeto e a razão da antropologia: os selvagens.
Como os indígenas foram praticamente varridos do mapa e hoje estão mais para serem adotados por alguma "Sociedade de Proteção aos Animais em Vias de Extinção" do que para serem objeto de interesse científico, o jornalista pensou que talvez a antropóloga estivesse anunciando, assim como quem não quer nada, um novo filão de mercado capaz de garantir a sobrevivência da sua espécie em tempos de PDV (Programa de Demissão Voluntária). Assunto, aliás, com o qual Dona Ruth Cardoso, nossa antropóloga número 1, não precisará se preocupar até o ano de 2002.
Eureka!, vibrou o jornalista ao descobrir as justas razões de um gosto tão genuíno. Só pode ser isso: a troca de objeto -saem os índios e entram os tipos de Gugu- só facilitaria a vida da nossa antropóloga. Afinal, ao contrário dos primitivos, que a antropologia nos ensinou serem muito mais complexos do que se imaginava, os "novos selvagens" parecem ter finalmente realizado a utopia da vida 100% natural: atingiram enfim o grau zero da cultura.
Não é à toa que, no programa do Gugu, as mesmas moças que aparecem de dia nuas em revistas especializadas e à noite animam a elite "descolada" do eixo SP/Rio em festas que outras revistas, também especializadas, tratam de exibir à ralé -não é à toa que elas se misturem ali, nos quadros que Gugu leva ao ar, a outros animais tão versáteis, como cachorros malabaristas, chipanzés amestrados, galinhas cantoras... a lista é sortida e supereletrizante. Em época eleitoral inclui até tucanos inteligentes; no Natal, tiriricas falantes. Cada bicho tem seu dia de glória.
Mas quando os animais estão ausentes, então são as próprias moças, acompanhadas de autênticos garanhões da raça "puro sangue celerada" (aquela obtida nas academias de aeróbica), que fazem as vezes dos bichinhos. Brigam peladas na lama, tiram a roupa debaixo d'água, deixam que lhe molhem as camisas com esguicho até que se advinhe o número pintado nos seus seios -tudo, claro, muito lúdico, muito esportivo e saudável.
Gugu, aliás, nem precisa se preocupar com a onda de demissões que ronda o SBT em tempos de reengenharia. Se a tesoura lhe alcançasse, o que, é óbvio, ninguém deseja, já teria o futuro garantido. Seria "Don Liberato", o insuperável, o inigualável, o maior domador de circo de todos os tempos. Dizem até que o circo já tem nome. Chama-se "Vera Cruz". Parece que foi fundado em 1500, por um ancestral lusitano de Indiana Jones, um tal Pedro Álvares Cabral.

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