São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 1996
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O risco da balança (2)

CELSO PINTO

O Brasil caminha para um déficit na balança comercial muito alto em 97, de US$ 8,2 bilhões a US$ 12,6 bilhões, o que vai criar expectativas, no mercado, de medidas de correção. Quanto mais o governo evitá-las ou negá-las, mais vai criar incertezas.
A tese é do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. Na coluna de domingo, expliquei os critérios que levaram Pastore a projetar déficits comerciais tão altos para o próximo ano. Discuto, aqui, que implicações ele vê a partir desta situação.
Pastore argumenta que, frente a déficits externos muito altos, é possível fazer duas perguntas relevantes: se o país deve tê-los e se pode mantê-los. A discussão tem se concentrado mais sobre se é possível manter, via financiamento e investimento externo, déficits tão altos, mas ele acha mais relevante discutir se eles devem existir.
Sempre que um país gera déficits externos muito elevados, criam-se dúvidas sobre sua sustentabilidade no futuro. Déficits muito elevados levam a um crescimento excessivo da dívida externa e geram a necessidade, no futuro, de que o país produza superávits também muito altos de forma a reequilibrar o balanço de pagamentos.
Déficits externos elevados aumentam o bem-estar presente, pois permitem um aumento extra do consumo. No entanto, este ganho acaba sendo apenas temporário. Um exemplo, diz Pastore, é o "milagre" econômico gerado pela dívida externa nos anos 60 e 70, que acabou exigindo um forte ajuste nos anos 80.
O governo costuma argumentar que o déficit comercial está sendo causado pelo aumento da importação de bens de capital, usados para ampliar os investimentos. Na medida em que esses investimentos se transformem em produção competitiva, as exportações se elevarão e a balança se reequilibrará.
Pastore discorda inteiramente. Ele lembra que as importações subiram US$ 30 bilhões de 1992 a 1995. Deste aumento, US$ 21 bilhões foram de bens de consumo e matérias-primas e apenas US$ 9 bilhões foram de bens de capital.
Além disso, a indústria doméstica de bens de capital foi a única que se manteve em queda depois do Plano Real, pela força da concorrência dos bens de capital importados, que oferecem financiamentos a longo prazo e baixo custo. Boa parte das importações de bens de capital, portanto, apenas veio substituir o que deixou de ser produzido internamente. O surto recente de crescimento foi puxado basicamente pelo consumo, diz ele, não pelo investimento.
A conclusão é que o desequilíbrio terá de ser corrigido e o mercado estará disposto a financiar esse desequilíbrio, desde que esteja convencido que a política econômica acabará sendo alterada para corrigi-lo em algum momento. Insistir que a política econômica não mudará, mesmo que o déficit chegue a níveis muito altos, é, no mínimo, inútil. No limite, pode ser perigoso.
Pastore acha que, se o déficit comercial atingir os níveis que ele prevê em 97, o governo terá de sinalizar uma correção. Mas qual?
Ele diz que a única resposta adequada é um aperto fiscal, que poderia aliviar o déficit externo pela desaceleração na demanda global e abrir condições para eventuais mudanças na política cambial. Insistir na política monetária é complicado.
Uma nova rodada de aumento nos juros teria pouco impacto sobre o nível de investimentos porque ele já é baixo, até porque os juros reais ainda estão muito elevados. Os juros forçariam uma redução nos estoques, mas essa é uma resposta apenas temporária.
Sobre o consumo, de outro lado, juros mais altos poderão ter um efeito perigoso. A primeira rodada de elevação, no ano passado, gerou um salto na inadimplência que está acabando de ser absorvido.
Outra rodada, agora, levaria a um novo salto, a partir de um patamar já elevado e de um sistema bancário fragilizado.
Pastore admite que seria muito difícil para o governo aplicar um aperto fiscal mais expressivo em 97. O problema é que, se não fizer nada, o risco de uma crise mais séria aumentará muito.

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