São Paulo, quinta-feira, 8 de fevereiro de 1996
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Revelação de um ex-ministro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Em seminário do PMDB sobre a questão do desemprego, realizado na semana passada, o sindicalista Antônio Neto Barbosa reclamou de uma observação feita em artigo que publiquei recentemente neste espaço.
A propósito dos malabarismos que o governo faz com os números do desemprego, comentei que nós, brasileiros, temos uma aversão arraigada a números e somos, por isso mesmo, vítimas das mais deploráveis confusões estatísticas, patrocinadas com afinco pelos governantes da hora.
(Na verdade, não é só o governo que faz uso indevido dos dados. Ainda esses dias, a Folha publicou artigo de conhecido economista da oposição que submete as estatísticas de desemprego a verdadeiras torturas, cometendo diversos exageros e distorções.)
"É uma injustiça com o brasileiro", comentou Barbosa. "Não é que não haja preocupação com os números. O que acontece é que os dados são tão manipulados que a população acaba perdendo o interesse."
É isso mesmo. Recentemente, veio à tona um exemplo de proporções respeitáveis. Como costuma acontecer entre nós, o evento passou em brancas nuvens.
Agora em janeiro, durante uma conferência patrocinada pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty, no Copacabana Palace do Rio, a deputada federal pelo PT Maria da Conceição Tavares comentava o crescimento exagerado das reservas internacionais, que passaram de cerca de US$ 7 bilhões em fins de 1991 para mais de US$ 50 bilhões atualmente.
Aproveitando a presença de um ex-ministro da Fazenda (governo Collor), Marcílio Marques Moreira, a deputada procurou confirmar o número que citara de memória.
O ex-ministro emendou, impávido: "Não. Na minha época, as reservas chegaram a US$ 1 bilhão."
"E você não contou para ninguém!", exclamou irônica Conceição Tavares, provocando gargalhada geral do auditório.
Eis aí o Brasil. Somos imbatíveis em matéria de bom humor e tolerância com as maiores barbaridades. As coisas mais espantosas provocam risos e fica tudo por isso mesmo.
A conferência era aberta à imprensa, mas não se publicou, pelo que me consta, uma única e mísera linha.
E, no entanto, a revelação do ex-ministro é grave. Ou seria considerada grave em uma sociedade mais estruturada.
Vejam vocês o absurdo. Segundo as estatísticas publicadas pelo Banco Central (BC), as reservas internacionais brutas do Brasil, mesmo no conceito mais restrito, de disponibilidade em caixa, nunca ficaram abaixo de US$ 7 bilhões no período 1991-92, época em que Marcílio Marques Moreira ocupou o Ministério da Fazenda.
O ponto mínimo foi em fins de outubro de 1991, quando as reservas brutas chegaram a US$ 7,009 bilhões, de acordo com os dados oficiais. (Ver Banco Central do Brasil, "Brasil: Programa Econômico", nº 36, março de 1993, p. 116).
As reservas líquidas, definidas como a diferença entre os haveres externos do BC e as suas obrigações externas de curto prazo, eram de US$ 6,357 bilhões em setembro de 1991, segundo os dados publicados pelo BC na época. (Ver Banco Central do Brasil, "Brasil: Programa Econômico", vol. 31, dezembro de 1991, p. 109).
A informação agora divulgada pelo ex-ministro implica, portanto, reconhecer uma diferença de nada mais nada menos que US$ 6 bilhões entre a estatística oficial e a situação real! Ou de US$ 5,4 bilhões, se se considera o dado oficial referente às reservas líquidas.
Uma discrepância elevada, mesmo pelos padrões complacentes que vigoram no Brasil.
Mais ainda: significa reconhecer que o ministro da Fazenda e a diretoria do Banco Central cometeram, na época, uma ilegalidade.
A resolução nº 82, de 1990, do Senado, estabelece patamar mínimo para as reservas em função das necessidades de importação.
No seu artigo 3º, parágrafo único, essa resolução determina que as reservas não podem ser inferiores a quatro meses de importação, considerada a média mensal dos últimos 12 meses. Como todas as resoluções do Senado, essa resolução tem força de lei.
Em 1991-92, as importações de mercadorias (FOB) eram da ordem de US$ 21 bilhões por ano. Reservas de US$ 1 bilhão correspondem, portanto, a menos de um mês do nível médio de importação daquele período.
Escrevo essas linhas, mas sei perfeitamente que a reclamação não terá a menor consequência.
No Brasil, a manipulação de estatísticas e conceitos econômicos tornou-se tão comum que não reconhecer a conveniência de fazê-lo em determinadas circunstâncias é visto, à boca pequena, como sinal de falta de experiência e jogo de cintura...

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