São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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Crise bancária não foi superada

LUÍS NASSIF

A exemplo do biquíni, as análises sobre as receitas dos bancos com empréstimos, com base nos últimos balanços, têm escondido o essencial.
Em lugar da aparente rentabilidade extraordinária, os balanços indicam uma situação delicada, que poderá virar crise brava se não for enfrentada a tempo pelo Banco Central e pelo sistema financeiro.
No total de 20 instituições analisadas pela Austin Asis Consultores -segundo reportagem da Folha deste domingo-, o crescimento das receitas com crédito aumentou em 75% em 1995, em comparação com 1994.
Trata-se de situação preocupante, por várias razões.
A grande expansão de crédito deu-se no segundo semestre de 1994, no rastro do Plano Real e da política monetária extraordinariamente expansionista promovida pelo Banco Central.
A partir de janeiro de 1995, os bancos já adotavam política bastante mais cautelosa em relação ao crédito.
No primeiro quadrimestre, provavelmente ocorreu redução líquida do estoque de dinheiro emprestado. A partir de abril, novos créditos foram praticamente abolidos do mercado.
Portanto, parte expressiva da receita com créditos registrada nos balanços deveu-se à rolagem do estoque existente em dezembro de 1994.
O cliente não consegue pagar. O banco "rola" o empréstimo e contabiliza o empréstimo que venceu como receita. Os números tornam-se tão consistentes quanto a luz estroboscópica.
Morte súbita
Com taxas de juros oscilando entre 5% e 12% ao mês, permaneceram no sistema apenas dois tipos de clientes: os que sofreram morte súbita e os que vão morrer mais adiante.
O primeiro grupo é retratado na conta "provisão para devedores duvidosos".
Se o cliente não quitar, há um prejuízo para a instituição, que terá que ser bancado por seu patrimônio líquido.
A comparação que interessa, portanto, é entre essa conta e o patrimônio líquido da instituição -o saldo de recursos próprios com que ela pode contar para bancar o prejuízo.
Infelizmente, na tabela publicada com dados da Austin não consta o patrimônio líquido das instituições analisadas para permitir essa comparação.
Mas, inegavelmente, seu percentual de comprometimento do é extraordinariamente elevado no universo pesquisado.
Note-se que nessa conta não estão incluídos os clientes do segundo grupo: os que ainda vão se tornar inadimplentes.
É impossível estimar o volume desses créditos de risco que estão sendo rolados. Mas é expressivo.
E praticamente não há um tostão de dinheiro novo na economia que permita um desafogo aos endividados.
Alerta
Há meses a coluna vem alertando que a área econômica tem que dar tratamento global à questão do endividamento circular da economia. Está demorando demais.
Alguns dos principais economistas do governo já concordaram com o alerta da coluna. Mas há uma inércia inexplicável retardando a tomada de decisões.
No ano passado, a coluna esgoelou-se alertando para a quebradeira que se avizinhava do setor agrícola, do interior, de pessoas físicas e empresas e do setor público.
Teve de suportar durante meses insinuações de ser adepta da fracassomania.
No começo deste ano, o presidente da República e o ministro da Fazenda fizeram autocrítica custosíssima, reconhecendo os exageros cometidos nessas áreas.
Espera-se que os alertas de agora não sirvam apenas para novas demonstrações de autocrítica tardia.

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