São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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O câmbio, Vadinho e dona Flor

LUÍS NASSIF

Em dezembro de 1994, 20 dias antes da crise cambial do México, o colunista participou de seminário fechado no Banco Central, no qual se discutia a política cambial brasileira.
Alguns comentaristas alertaram que a defasagem cambial poderia comprometer as exportações de manufaturados.
Rapidamente, um técnico do Banco Central encontrou a solução: nos últimos dois anos, a produtividade da economia brasileira aumentou em 40%; logo, se as empresas aumentassem sua produtividade em mais 30% (o número superestimado da alegada defasagem cambial) tudo estaria solucionado.
(Já se disse que sem o "se" muitos economistas teriam de trocar de profissão.)
De certo modo, a história recente da política cambial brasileira tem seguido essa lógica das suposições impossíveis -e as declarações recentes do diretor da área internacional do BC, Gustavo Franco, apenas reforçam esse estilo.
Na partida do Real, Franco tinha um problema: o BC não poderia continuar acumulando reservas cambiais (isto é, comprando dólares no mercado) porque isso comprometeria a política monetária, pela necessidade de emitir reais para comprar os dólares.
Era esse o problema central: impedir que o BC continuasse comprando dólares.
Qual a solução? Anunciar aos quatro ventos que o BC garantiria o teto máximo de um real por dólar, mas não se responsabilizaria pelo piso.
Para impedir que as cotações batessem no teto, bastaria ao BC vender os dólares. Enquanto, para impedir quedas, ele precisaria comprar dólares, comprometendo suas metas monetárias.
O resultado foi o oposto do pretendido. Com as taxas internas elevadíssimas e a garantia oficial de que o real jamais passaria de um dólar, desapareceu o risco de especular com dólar.
Bastava trazer o dinheiro para o país, vender por até R$ 0,84, aplicar nas taxas de juros e, no vencimento, resgatar a aplicação sem risco algum.
Se, na pior das hipóteses, o dólar batesse no teto de um real, o investidor sairia empatado, mesmo tendo vendido seus dólares a R$ 0,84.
Houve uma maxivalorização do real e uma inundação de dólares, atrás do ganho fácil dos juros.
Para impedir a continuação da queda do dólar, principalmente após a crise do México, o BC precisou entrar no mercado com muito mais vigor que antes da fórmula "salvadora".
Ou seja: tomou-se uma medida para impedir que o BC fosse obrigado a entrar no mercado comprando dólares, e o resultado final foi o BC precisando entrar no mercado com muito mais intensidade.
Explicações
Simultaneamente, para impedir eventuais pressões inflacionárias, atropelaram-se as metas de redução das alíquotas de importação -dentro da política de abertura em vigor desde junho de 1990.
A soma de defasagem de cambio e abertura indiscriminada pulverizou os superávits comerciais.
Para Franco, a equipe econômica procedera ao grande "big bang" da abertura econômica.
O "big bang" trouxe de volta os déficits comerciais, que serviram de álibi para a volta do protecionismo à economia e para a adoção de taxas de juros elevadíssimas -com o intuito de reduzir as importações, por intermédio da redução da atividade econômica.
Agora, nosso bravo Franco volta ao ataque, em uma série de entrevistas nas quais sustenta que o país está impedido de crescer devido ao déficit público -não às limitações da balança comercial.
E parte da mídia passa a receber as explicações com o coração desarmado de dona Flor ouvindo Vadinho.
Não é necessário nenhum conhecimento mais aprofundado de macroeconomia para entender que recessão produz queda de receita fiscal e não reduz as despesas públicas na mesma proporção. Portanto, recessão amplia o déficit público.
A discussão cambial ganhou a racionalidade de um Fla-Flu. Pouco importa se o gol foi marcado em impedimento, com a mão ou se o zagueiro foi abatido a bala. O importante é vencer a discussão.
Grande parte dos problemas de política econômica decorre dessa incapacidade da mídia de analisar tecnicamente questões e declarações técnicas.

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