São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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A heroína vem aí?

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao colher informações sobre a moda da heroína que se infiltra na classe média alta de Nova York, fui advertido por funcionários do governo americano: vai se espalhar pelo Brasil.
O departamento responsável ao combate às drogas (Drug Enforcement Administration) afirma existir uma tendência "natural" do consumo de drogas; começa em Nova York, centro irradiador da moda, contamina os EUA e, depois, vaza para a América Latina.
No caso da heroína, há um agravante para o Brasil: passou a ser produzida num país vizinho, com fronteira de difícil fiscalização.
Cheirando um novo filão de mercado, os colombianos desbancam as gangues asiáticas e oferecem uma heroína com um nível de pureza jamais visto.
Eles distribuem amostras grátis e baixam o preço da heroína -um fenômeno que se tornou visível para médicos que atenderam vítimas de overdose nos prontos-socorros.
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O Brasil está despreparado para enfrentar as drogas; é mais uma das consequências da falta da cidadania e, em especial, do desleixo com a educação.
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A opinião pública e as autoridades parecem satisfeitas com eventuais batidas nos morros, enjaulando um punhado de traficantes intermediários; intermediários porque traficante mesmo não mora em favela.
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Por causa da repressão das drogas, os EUA têm, hoje, a maior população carcerária do mundo. Gasta por ano em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) US$ 67 bilhões, algo parecido a três Vales do Rio Doce.
É quase consenso aqui de que estão perdendo a guerra.
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Tive acesso aos dados preliminares de uma pesquisa para um livro que vai ser publicado no próximo ano, realizada por Michael Massing, da New York University, colaborador da revista "New Yorker" e da "New York Review of Books".
Usando exemplos nos EUA, ele mostra em números: nos lugares em que se deu mais ênfase ao tratamento e prevenção do que na repressão, caíram vício e violência.
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PS - Aliás, esses dados apenas reforçam o ridículo do debate sobre o apito em Ipanema. Numa cidade dominada pelo crime organizado, quiseram transformar inofensivos adolescentes em ameaças à segurança pública.
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Claro que o apito não supera em ridículo a discussão sobre Michael Jackson, gravando no morro; se sentem vergonha da pobreza, tratem de enfrentá-la, melhorando os serviços sociais e a distribuição de renda. Aumentar nossa vergonha com a pobreza foi um bom serviço que Jackson e Spike Lee inadvertidamente fizeram pelo Brasil.
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Apesar de ter esclarecido neste espaço que não pretendia personalizar a discussão sobre a imprensa, mas ressaltar a necessidade de sermos todos, sem exceção, fiscalizados, o ombudsman (cujos comentários têm sido, em geral, corretos e construtivos) preferiu sentir-se pessoalmente ofendido -e passou aos ataques pessoais na sua coluna de domingo passado.
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Volto a esclarecer: o leitor deve agir como jornalista e encarar a imprensa com a mesma saudável desconfiança, sempre buscando eventuais armadilhas por trás da notícia. Armadilhas provocadas por lobbies, pressa, excesso de presunção ou carência de segurança, vaidade, leviandades das quais nenhum de nós (nem este colunista, nem o ombudsman) está livre.
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Como não estou à procura de polêmicas artificiais, capazes de reforçar mais nossos egos do que a percepção do leitor sobre a imprensa, encerro de minha parte um debate que, a rigor, não começou.

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