São Paulo, quarta-feira, 21 de fevereiro de 1996
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O servidor público injustiçado

PAULO PLANET BUARQUE

De repente, não mais que de repente, todos os problemas brasileiros -seu eterno "déficit" público, a corrupção, a sonegação fiscal, a injusta distribuição de renda, a incompetência administrativa, tudo- passaram a ter no servidor público a sua causa principal, senão única.
Toda a mídia concentrou no serviço público a razão maior dos males nacionais, sendo as reformas administrativa e previdenciária absolutamente imperiosas: eis que, a partir da aprovação das mesmas, por fim os governos passarão a ter os recursos indispensáveis para o investimento e o desenvolvimento.
A partir da dizimação do serviço público -os servidores que restarem, reduzidos à miséria total-, o Estado brasileiro estará redimido e, por um passe de mágica, passaremos a ter saúde, educação, segurança, a níveis escandinavos, onde, diga-se de passagem, é precisamente o Estado que isso proporciona.
Comete-se -está sendo cometida- uma enorme, terrível e surpreendente injustiça contra a figura do servidor público, pois nem mesmo se cogitou de separar o joio (da melhor qualidade) do trigo, que é consequência exatamente dos governantes, que, através dos tempos, se elegeram ou simplesmente foram nomeados ao tempo ditatorial, que foi maior na nossa história política.
Já se cogitou, pelo menos se cogitou, pensar, por exemplo, o que sucederá com o nosso Poder Judiciário a partir do instante em que os magistrados se aposentarem, depois de 35 anos de exercício da profissão e 60 anos de idade, com dez salários mínimos?
Quem se interessará pela carreira, que impede qualquer outro tipo de atividade? O que sucederá com esses juízes ao longo da sua judicatura? Sabem os responsáveis pelas reformas que em São Paulo, da noite para o dia, mais de mil magistrados se aposentarão, deixando dezenas, centenas de comarcas sem juízes? Não será esse o panorama da totalidade dos Estados brasileiros? Ou o que se pretende é que os juízes sejam eleitos, curvando-se aos interesses da política?
Discutindo-se o problema da Previdência, não seria lógico que primeiro se compelisse os servidores públicos a que contribuíssem para o recebimento desse benefício, o que nunca aconteceu?
Todos estão concordes que há funcionários demais na máquina burocrática brasileira. Esquecem, contudo, que então era nessa área que se dava o emprego, inexistente outro caminho para a maioria da população. E que, em suma, os responsáveis nunca foram os servidores, mas sim os governantes.
A reforma do Estado brasileiro era e é imperiosa, mas não se culpem apenas os servidores pelas muitas máculas nacionais. Os grandes responsáveis foram e sempre serão os maus administradores, os incompetentes, os ladravazes mancomunados com muitos agentes da iniciativa privada que se enriqueceram com a ajuda ou conivência governamental, muitos dos quais, aliás, agora liderando as reformas.

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