São Paulo, quarta-feira, 21 de fevereiro de 1996
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Sem medo dos sem-terra: conhecendo a história

MARTA SUPLICY

Em 1850, no Brasil Império, a lei 601 possibilitou a legitimação da posse das terras por parte de quem as ocupava. Desde então, as terras não-regularizadas passaram a ser consideradas devolutas, isto é, pertencentes ao patrimônio público.
Muitos fazendeiros, depois de 1850, tentaram legitimar a posse de suas terras apresentando documentos que, além de falsos, propunham limites desencontrados de demarcação. E para tanto usaram expedientes nada convencionais.
Monteiro Lobato, no livro "O Príncipe Negro e a Onda Verde" (Editora Brasiliense, 1948), relata que no Oeste paulista era comum a falsificação de títulos de propriedade e a maneira astuciosa encontrada para envelhecer as escrituras (face à necessidade de adequação à lei 601) era colocá-las numa gaveta fechada com um monte de grilos vivos. Eles apodreciam e suas toxinas envelheciam os documentos. Daí surgiu o termo "grileiro".
No Pontal do Paranapanema remonta a 1856 a história da grilagem de terras, com um recrudescimento no período de 1886 a 1890.
Os documentos eram tão mal feitos que o governo Prudente de Morais, em 1890, não reconheceu a propriedade das maiores fazendas da região.
Entretanto, muitos fazendeiros não se importaram com esse "detalhe" e passaram a vender glebas dessas terras.
Essa prática gerou conflitos entre os próprios grileiros.
Em 1930, o governo do Estado decretou como devolutas algumas das maiores fazendas em litígio. Em 1932, já alertava para o perigo de compras de terras na região do Pontal. Na década de 40, criou as reservas florestais do Pontal com o objetivo de retomar as terras e proteger a floresta. Não adiantou. Os grileiros acabaram com a floresta do Pontal e continuaram donos absolutos.
A questão da legitimidade da posse de terras nessa região é antiga. Se pensarmos que em 1958 o governo do Estado ganhou a ação de devolução das terras e, até hoje, só desapropriou 46.169 hectares, concluímos que a ação governamental é parcial e descomprometida com soluções de caráter social.
Os fazendeiros-grileiros contestaram na Justiça esssa vitória do governo do Estado. Quando perderam as causas, moveram ações de indenização pelas benfeitorias.
Existem hoje no Pontal 900 mil hectares, dos quais, segundo o Itesp -Instituto de Terras do Estado de São Paulo-, 444 mil hectares são terras devolutas, portanto públicas. Não é à toa que os sem-terra elegeram esta região para ocupar.
Antes mesmo da discussão sobre a função social da terra, existe a questão da legitimidade dos direitos de propriedade. Hoje, a proposta do governo do Estado é que os fazendeiros dêem 30% de "suas" terras para o MST. O governo paga as benfeitorias existentes e deixa o resto como está. Os fazendeiros não aceitam.
Querem dar em dinheiro 25% do valor das terras, em troca da posse definitiva. Argumentam que com esse dinheiro o governo teria recursos para os assentamentos. Eles ficariam com a posse de terra pela qual não pagaram, da qual usufruíram anos, muitas vezes destruindo a floresta.
Está criado o impasse. A terra é do governo. Os fazendeiros-grileiros se acham com direito a ela e os sem-terra querem uma parte.
É justo que os sem-terra fiquem com uma parte dessas terras.
Mas há também o aspecto do desenvolvimento econômico.
As propriedades griladas na região, algumas chegando a mais de 500 hectares, empregam pouco, pois a atividade econômica principal é a pecuária.
As propriedades no país com mais de mil hectares respondem por menos de 20% da riqueza produzida.
O Pontal do Paranapanema é a segunda região mais pobre do Estado, devido à expansão da pecuária que provoca a expulsão do campo e desemprego rural. Constata-se que os assentamentos, acompanhados de uma política agrícola adequada, além do desenvolvimento econômico e social das famílias beneficiadas, também contribuem para o crescimento econômico da região.
Como exemplo, podemos citar o caso de Promissão. Depois de receber 636 famílias, em 1988, que ocuparam a fazenda Reunidas, a realidade mudou de tal forma que hoje a arrecadação do ICMS desse município que tem 30 mil habitantes é maior que a arrecadação de Lins, que possui 80 mil habitantes.
Aumentaram os serviços públicos da cidade, houve expansão do comércio e do setor financeiro.
Se a renda média familiar em salários mínimos no Brasil é de 3,8, dentre os assentados da região Sudeste a média é de 4,2. Na região Sul é de 5,5 e, no Norte, 2,5. Como o salário de uma professora no Nordeste é por volta de R$ 30, dois salários no Nordeste fazem diferença nas condições de vida.
A FAO, o Ministério da Agricultura e do Abastecimento e o da Reforma Agrária mostram a viabilidade econômica e a possibilidade da agricultura familiar. Esse tipo de agricultura, considerada por alguns atrasada, é, ao contrário, uma das principais alavancas de desenvolvimento nos EUA, Japão e em outros países. Está claro que a reforma agrária, além de uma questão social, é uma saída econômica para este país de 32 milhões de miseráveis.
Por que será que os sem-terra assustam tanto e as estratégias dos fazendeiros-grileiros não causam indignação?

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