São Paulo, quarta-feira, 21 de fevereiro de 1996
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A restrição externa

ANTONIO DELFIM NETTO

Ao analisar as diferenças de opinião sobre alguns aspectos da atual política econômica, percebe-se que elas refletem um profundo desentendimento sobre a própria natureza do processo econômico.
No caso da taxa cambial, por exemplo, não se trata de uma disputa em torno de uma identidade da contabilidade nacional, o que seria um insulto à inteligência dos participantes do debate.
Quando se afirma que a restrição ao crescimento é a taxa da formação de poupança e que o déficit em conta corrente pode ser manipulado fazendo variar essa taxa, independentemente do que ocorrer com a taxa de câmbio real, levanta-se uma hipótese ousada, que parece sugerir que a taxa de poupança é uma variável facilmente manipulável pelos instrumentos da política econômica.
Quando se afirma que "existe uma janela para um déficit em conta corrente da ordem de 3% do PIB facilmente financiável por vários anos", faz-se um exercício de futurologia tão seguro quanto o do pobre ministro da Fazenda que em novembro de 1994, em Nova York, garantiu ao sistema financeiro internacional "que a situação dos fundamentais no México nunca foi tão sólida". E em dezembro fugiu do país...
Em primeiro lugar, todos sabem que "a poupança é talvez o agregado macroeconômico mais evasivo à compreensão dos economistas e à influência das medidas governamentais" (Schmidt-Hebbel, K., "Saving, Investiment and Growth in Developing Countries", PRWP 1382, The World Bank, November, 1994).
Em segundo lugar é um fato óbvio que o desenvolvimento não começa na poupança, mas no investimento e no avanço tecnológico do capital físico e humano. Parece difícil aceitar a hipótese de que primeiro o Espírito Santo cria a poupança e depois o governo e os empresários a tomam emprestado para começar a investir.
É claro que a poupança é fundamental para financiar o investimento e manter o balanço em conta corrente em equilíbrio. Mas o ponto é que, em matéria de causalidade, o que parece mais provável é que o investimento precede a poupança.
O círculo vicioso de alta taxa de investimento, rápido crescimento e altas taxas de poupança é complexo, mas seguramente não começa com a última...
É correto afirmar que um aumento da poupança do governo (uma decisão política) é fundamental. Os investimentos públicos possuem externalidades que aumentam a produtividade dos investimentos privados. No momento atual eles praticamente não existem e o déficit em conta corrente está financiando o consumo do governo e não o investimento.
Se a poupança do governo for acrescida à custa do aumento de impostos é claro que ela reduz em parte a poupança privada. Por outro lado, é um fato empírico consagrado que o uso da poupança externa (déficit em conta corrente) também tende a ser acompanhado por uma redução da poupança interna.
Na verdade, a única forma de aumentar a poupança privada e do governo é através do crescimento econômico produzido pelos investimentos e pelo progresso tecnológico.
Ora, é aqui que a cobra morde o rabo: o crescimento acelerado e sustentado é impossível porque existe a restrição externa!

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