São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
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Bosman é a Princesa Isabel do futebol

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, ontem foi um dia histórico para o futebol.
Pela primeira vez, a poderosa federação do futebol europeu, a Uefa, foi obrigada a se sentar à mesa de conversações com o sindicato (ainda fraco, mas que, a partir de agora poderá crescer muito) de jogadores profissionais de futebol, a Fifpro (Federação Internacional de Futebolistas Profissionais).
Está em marcha, no continente europeu, aquela que deverá ser a maior revolução no futebol nos últimos 50 anos. Graças a um obscuro jogador belga, Jean-Marc Bosman, está abolido nos 15 países que compõem a chamada Comunidade Européia uma das mais desumanas regras de exploração do trabalho: a lei do passe.
Um terremoto se abateu sobre o sistema do futebol europeu: clubes poderosíssimos, empresários do setor, federações e até mesmo os jogadores se perguntam: o que ocorrerá com o futebol daqui para a frente? Ninguém sabe responder.
As consequências da decisão do Tribunal Europeu são inimagináveis e o debate, fundamental, está sendo negligenciado pela imprensa esportiva brasileira (mais um dos pecados do nosso jornalismo, porque não tardará a hora em que a decisão européia será definitivamente colocada na agenda nacional).
Bosman foi impedido pelo seu clube, o Liège, de jogar no pequeno time francês do Dunquerque. Ele abriu um processo na Justiça comum contra o time que detinha o seu passe. Ganha o processo na Justiça belga, que envia o caso ao tribunal da Comunidade Européia, uma vez que ele pleiteava o direito de jogar em outro país da Comunidade, a França.
O Supremo europeu decide que, como todo trabalhador da Comunidade, ele tem o direito de trabalhar em qualquer outro dos 15 países, e portanto, determina, sem direito à apelação, que a Uefa acabe, imediatamente, com o limite de jogadores estrangeiros nos campeonatos nacionais e -decisão mais importante- que todo jogador é livre para escolher com qual clube quer fazer um contrato.
Consequências importantíssimas:
1)Pela primeira vez na história, são reconhecidos aos jogadores os direitos dos outros trabalhadores;
2)Pela primeira vez na história, as auto-suficientes Fifa e Uefa foram obrigadas (e quase humilhadas publicamente) a aceitar, sem um pio, uma decisão da Justiça. Se a moda chegar por aqui...
3)Dirigentes, empresários, atravessadores de venda de jogadores, na Europa, deixam de ser os parasitas da venda do trabalho alheio;
A partir de agora, quanto valem as dezenas de milhões de dólares que o Milan investiu na compra de seus jogadores? Ninguém sabe. Além deste, outros pontos que deixam dúvida: os times pequenos continuarão investindo na caríssima formação dos jogadores?
Um time de Portugal, por exemplo, terá coragem de escalar 11 dinamarqueses? Haverá uma queda nos salários dos jogadores na Europa? Os jogadores sul-americano ganham ou perdem com a decisão?
Nenhuma dessas dúvidas, porém, é maior do que o fato histórico: começa a acabar a escravidão no futebol. Borman é uma Princesa Isabel do futebol.

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