São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Em busca de vida inteligente

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A questão de uma vida inteligente, ou de uma civilização extraterrestre em qualquer ponto do universo, está associada à existência de planetas extra-solares. Não existindo outros sistemas planetários, é pouco provável que a vida tenha se desenvolvido.
Aliás, a probabilidade de que o Sistema Solar fosse um caso único no universo limitou, durante muito tempo, a discussão sobre as civilizações extraterrestres.
Descobertas de sistemas planetários em formação, pela sonda Iras (Satélite Astronômico Infra-vermelho) nos anos 70, e a recente descoberta de planetas extra-solares deixaram os defensores da idéia da pluralidade dos mundos ansiosos. Será que existem?
Detecção difícil
A detecção de planetas extra-solares é difícil por três motivos. Primeiro, a diferença entre o brilho da luz gerada pela estrela e o da luz refletida pelos planetas é tão grande, que pode atingir valores de centenas ou bilhões de vezes. Essa relação é muito mais favorável -menor- nos comprimentos de ondas infravermelhas.
Segundo, a separação angular entre o planeta e a estrela primária, nos espaços interestelares, é muito pequena -décimos de segundo de arco (um segundo de arco equivale ao diâmetro aparente de uma bola de pingue-pongue situada à distância de 5 km).
Terceiro, a enorme diferença entre a massa de um planeta em relação à estrela torna a detecção indireta muito difícil.
Existem quatro principais métodos capazes de permitir a detecção de planetas extra-solares: detecção direta, que fornece a imagem do planeta; detecção astrométrica, pela variação periódica da posição da estrela produzida pela massa do planeta; detecção espectroscópica, por meio do desvio da velocidade estelar devido à presença do planeta; detecção fotométrica, pela variação da curva de luminosidade estelar causada pelos eclipses e fenômenos correlatos. Os três últimos procedimentos, são, na verdade, métodos de detecção indireta.
O método mais em voga, no início do século 20, foi o processo astrométrico. Com os avanços da tecnologia, todos estes métodos evoluíram em sensibilidade e precisão, em especial com o uso dos sensores de infravermelho.
Além dos planetas observados no Sistema Solar, nenhum outro pode ser observado diretamente em consequência das distâncias até as estrelas. Até hoje só foi possível colocar em evidência ligeiras oscilações no movimento de estrelas próximas, o que permitiu presumir a existência de companheiros planetários ao redor delas.
Pulsares
Em julho de 1991, os astrônomos britânicos Matthew Bailes, Andrew G. Lyne e Setnan Shemar anunciaram o que poderia ser um planeta ao redor do pulsar PSR 1829-10 -seria o primeiro "planeta" fora do Sistema Solar.
Em reunião da Sociedade Astronômica Americana em janeiro de 1992, Lyne informou que as oscilações periódicas detectadas, com o radiotelescópio emitidos pelo pulsar PSR 1829-10, a 30 mil anos-luz da Terra, desapareciam quando as correções do movimento de rotação da Terra ao redor do Sol eram introduzidas na análise.
Mais tarde, uma retratação foi submetida à revista "Nature", que havia publicado o artigo anunciador da descoberta.
No mesmo encontro de Atlanta, o radioastrônomo americano Aleksander Wolszczan, do Observatório de Arecibo, em Porto Rico, comunicou, em colaboração com seu colega Dale A. Frail, do Observatório Nacional de Radioastronomia, em Socorro, Novo México (EUA), a descoberta de dois, ou até três planetas orbitando ao redor do pulsar PSR 1257+12.
A descoberta já havia sido publicada semanas antes na "Nature". O erro que influenciou o trabalho dos astrônomos ingleses não ocorreu com o dos americanos, que levaram em consideração a órbita terrestre em seus cálculos.
A localização dos planetas ao redor do pulsar PSR 1257+12, situado a 1.600 anos-luz, na constelação de Virgem, foi realizada por Wolszczan, com o radiotelescópio de Arecibo, durante pesquisa de pulsares em fevereiro de 1990.
Wolszczan decidiu anunciar sua descoberta somente em setembro de 1991, após ter verificado que não existiam outras soluções capazes de explicar os sinais registrados. Para confirmar suas suspeitas, ele e Frail observaram o pulsar durante mais de um ano.
Astros como o Sol
Há anos astrônomos vêm procurando por planetas em estrela próximas, semelhantes ao Sol. Tal procura mostrou-se um fracasso até que, em 6 de outubro de 1995, os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Genebra, durante um congresso em Florença, na Itália, anunciaram ter encontrado indícios da existência de um planeta do tamanho de Júpiter, girando ao redor de uma estrela com aproximadamente a mesma dimensão, massa e temperatura que o Sol.
No dia 19 de outubro, os americanos Geoffrey Marcy, da Universidade Estadual de San Francisco, e Paul Butler, da Universidade da Califórnia, confirmaram a descoberta dos colegas suíços de que um planeta com metade da massa de Júpiter orbitava a estrela 51 da constelação de Pégaso, à distância de 40 anos-luz da Terra.
Descobriu-se também que o planeta, a 7,5 milhões de quilômetros da 51 de Pégaso, um oitavo da distância de Mercúrio, leva 4,2 dias para completar uma volta ao seu redor. A tal distância, o calor da estrela conduz a superfície do planeta a uma temperatura de 1.300oC, muito hostil à vida.
A confirmação do planeta ao redor da 51 de Pégaso serviu a Marcy e Butler para comprovar que o espectrômetro e o software que desenvolveram funcionavam.
Eles iniciaram então a análise dos dados referentes a 60 das 120 estrelas selecionadas para estudo. Ao entrar, em 20 de dezembro de 1995, em sua sala para checar progressos no computador, Butler encontrou registrados sinais de um objeto orbitando ao redor da estrela 70 da constelação de Virgem.
No mês passado, Marcy anunciou a descoberta de um planeta três vezes maior do que Júpiter girando em 1.100 dias ao redor da estrela 47 da Ursa Maior, situada a 45 anos-luz da Terra, assim como do planeta nove vezes maior do que Júpiter que orbita em 116 dias em volta da estrela 70 de Virgem, a 76 anos-luz da Terra.
Se a existência do planeta da 51 de Pégaso é problemática por sua proximidade da estrela-mãe, a órbita muito excêntrica (mais oval do que circular) do planeta em torno da 70 de Virgem sugere que se trate de uma estrela. Muitos acreditam tratar-se de uma anã marrom -protoestrela que não teve força para se tornar estrela.
Os planetas não podem ser vistos com telescópio porque seu brilho é ofuscado pelo da estrela em torno do qual circulam. Só puderam ser detectados pelas perturbações periódicas indicativas da presença de um companheiro invisível de considerável influência gravitacional sobre a estrela.
Extraterrestres
A existência de sistemas planetários semelhantes ao Sistema Solar aumenta a probabilidade de haver outras formas de vida.
Mas é fundamental advertir o leitor das extremas dificuldades que envolvem a detecção de corpos de massa planetária gravitando ao redor de outros sóis e da natureza incerta dos resultados obtidos. Na realidade, a confirmação da existência desses astros depende do desenvolvimento de novas tecnologias observacionais.
Todas estas descobertas estão deixando ansiosos os astrônomos preocupados com a existência de vida no Universo. Espera-se com ansiedade os resultados do ISO (Observatório Especial Infravermelho), colocado em órbita em novembro de 1995, assim como se aguarda, com grande esperança, a instalação de uma nova câmara infravermelha, em 1997, no Telescópio Espacial Hubble, que poderá registrar fotograficamente pelo menos um dos três sistemas planetários descobertos recentemente.
O mais promissor é, sem dúvida, o projeto Origins, da Nasa, cujo objetivo será localizar e até mesmo fotografar planetas semelhantes à Terra. Na impossibilidade de colocar em órbita um telescópio com um gigantesco espelho, astrônomos pretendem simular o efeito dele pondo em órbita outros menores, separados entre si, mas associados eletronicamente.
Tal multiespelho, conhecido como interferômetro, será capaz de reunir a luz diretamente, medindo os padrões de interferência criados pelas ondas de luz dos quatro a seis espelhos de 30 a 60 centímetros. Com tal instrumento, será possível detectar um objeto do tamanho de Netuno ao redor das estrelas mais próximas.
Outro projeto mais ousado, a ser lançado em 2010, é o Planet Finder (Descobridor de Planetas), interferômetro com cinco espelhos de 90 a 60 centímetros espelhado por 900 metros, orbitando além de Júpiter. Com o Planet Finder, será possível localizar planetas semelhantes à Terra e, provavelmente, detectar e analisar sua atmosfera em busca de sinais de vida, como oxigênio, gás carbônico e ozônio.
No próximo milênio, iremos conhecer mais planetas que os nove do nosso Sistema Solar. Talvez encontremos, no fim do Terceiro Milênio, os planetas habitados, alguns exclusivamente por robôs inteligentes, como imaginou Isaac Asimov (1920-1992).

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