São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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China terá maior mercado consumidor do planeta

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Pelo menos nos próximos 20 anos os produtos chineses vão continuar a inundar mercados mundiais com seus preços baixos, mas nesse período a China deixa de ser um país sobretudo exportador para aumentar importações e acelerar sua transformação rumo ao maior mercado consumidor do planeta. O autor dessa previsão se chama Fan Gang, o mais famoso economista chinês.
Em 1978, o Partido Comunista da China, no poder desde 1949, deslanchou reformas pré-capitalistas para salvar o país do colapso econômico. A estratégia transformou a economia chinesa em dona das mais altas taxas de crescimento do planeta: 10,2% em 1995.
Sem abrir mão do poder político, o Partido Comunista desenhou um modelo baseado em investimentos estrangeiros e estimulou as exportações, que cresceram a um ritmo anual de 17% entre 1985-1995. Os investidores estrangeiros trouxeram no ano passado para a China US$ 37 bilhões. Enquanto o setor privado já responde por cerca de 30% do PIB chinês, o país ainda sente o peso do seu setor estatal. Fan Gang aponta a reforma das empresas estatais como um dos maiores desafios para o governo chinês. Recém-chegado do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos (Suíça), Fan Gang concedeu entrevista à Folha. E para mostrar o potencial da festa capitalista chinesa, ele disparou: hoje apenas 10% da população urbana da China podem desfrutar do consumo oferecido pelas reformas econômicas.
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Folha - Como será 1996 para a economia chinesa?
Fan Gang - Acho que será um ano de estabilidade, nada dramático vai acontecer. Será parecido com o ano passado. A inflação estará ao redor de 10%, mais baixa do que 1995, quando atingiu 14,8%. Combater inflação permanece como prioridade do governo, mas há problemas, como as disparidades regionais.
Folha - Então o sr. concorda com a avaliação de que as reformas econômicas estão se desacelerando na China?
Gang - Não. Talvez estejam perdendo um pouco de velocidade no plano do governo central, mas continuam acelerados no plano local. As reformas são um processo muito complexo. Por isso fica difícil empurrar as coisas com mais velocidade. As reformas não perdem impulso, mas ninguém quer forçar as coisas muito rapidamente por causa de algumas resistências. Veja o caso dos trabalhadores nas empresas estatais, muitas delas deficitárias e que deveriam ser reformadas. Não podemos simplesmente fechar a fábrica e colocar esses trabalhadores na rua.
Folha - Há previsões de que a economia da China será a maior do mundo em 2010 ou 2020. Como será essa economia?
Gang - Será sobretudo uma economia não-estatal, um mercado funcionando realmente. Será bastante aberta, com muitas joint ventures (empresas mistas). O comércio exterior representará uma fatia maior, por exemplo, do que no Japão ou Coréia do Sul. A China tende a acabar com os superávits da sua balança comercial, mas duvido que tenha a maior economia do mundo em 2010.
Folha - Por que?
Gang - Bem, não resta dúvida de que a China deva continuar crescendo a uma taxa de 10%, 9% ao ano. Mas a base de onde partimos é muito baixa e as economias ocidentais continuam crescendo e se apoiando na tecnologia. Em 2010, se formos checar o critério de renda per capita, a China terá um patamar baixo.
Folha - De qualquer forma a China vai se tornar um grande mercado consumidor e deixará de ser apenas um grande exportador, não?
Gang - Sim, haverá crescimento contínuo e o potencial de mercado é muito grande. No próximo século provavelmente será o maior mercado consumidor do mundo. Atualmente, apenas cera de 10% da população urbana desfrutam do crescimento do consumo. A China já está mais aberta em sua economia do que diversos países em desenvolvimento ou pelo menos do que outros importantes países asiáticos. Quase não há carros importados na Coréia e muito pouco no Japão. Nas ruas de Pequim há muitos carros importados. A demanda por produtos nas áreas urbanas vai crescer sem dúvida. Além dos importados, haverá aqueles produzidos por joint ventures. Serão importados bens de consumo, com exceção de produtos agrícolas. A China vai continuar muito atraente para os investidores.
Folha - E nos próximos anos, os produtos chineses vão continuar tão competitivos e baratos?
Gang - Sim. Os produtos chineses vão continuar bastante competitivos por causa da força de trabalho chinesa. Temos abundância de mão-de-obra a um custo mais baixo do que em outros países. Pelo menos nos próximos 20 anos vamos continuar assim, no que se refere a indústrias que exigem mão-de-obra sem qualificação. Não vai acontecer o mesmo que no Japão, Coréia do Sul ou Taiwan, que esgotaram suas fontes de mão-de-obra muito rapidamente.
Folha - Analisando os 17 anos de reformas econômicas, quais seriam os principais erros e os principais acertos?
Gang - Vamos começar pelos acertos. Acho que foi correta a idéia de sistema duplo, ou seja, manter o sistema antigo enquanto se construía o novo. Também foi correto criar as zonas econômicas especiais, em áreas costeiras, para abrir o mercado e a economia. Além de atrair investimentos estrangeiros, elas se tornaram exemplos para o país de como era possível crescer. O maior erro foi não perceber o problema do setor estatal.
Folha - Então como resolver o problema das estatais deficitárias?
Gang - O governo já permite a falência de algumas delas. Isso é muito difícil, alguns bancos (estatais) resistem a aceitar a falência das empresas que eles sustentavam com seus créditos.
Folha - Investimentos estrangeiros vão continuar crescendo?
Gang - Sim, mas talvez num ritmo menos acelerado. Em 95, recebemos US$ 37 bilhões, 11% a mais do que no ano anterior. Mas está mudando o perfil do investidor. Nos anos 80, vinham pequenos e médios investidores. Na década de 90 só as grandes multinacionais se na China.

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