São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 1996
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A batalha dos encargos sociais

JOSÉ PASTORE

Este jornal publicou um artigo no final de janeiro cujo autor (Demian Fiocca) tentou passar aos leitores a idéia de que os famosos 102% de encargos sociais são uma mera ficção contábil.
O artigo parece ter sido um sucesso dentro da Folha, a ponto de seu ombudsman (Marcelo Leite) ter reproduzido uma grande parte do mesmo no dia 4 de fevereiro de 96, acrescentando, por sua conta, que a defesa dos 102% se baseia em "armadilhas conceituais e ideológicas camufladas".
Os leitores devem ter ficado confusos sobre o que é e o que não é encargo social, com exceção daqueles que efetivamente desembolsam os 102%. Procurarei demonstrar que esses 102% nada têm de ficção ou ideologia. Começarei com um exemplo.
Na rua onde moro há cerca de 50 casas, que, até pouco tempo, eram servidas por um mesmo jardineiro. Ele trabalhava 5,5 dias por semana, cobrava R$ 50,00 por dia e ganhava cerca de R$ 1.100,00 mensais.
Pelo fato de também cuidar do jardim da fábrica de um dos vizinhos (de três a quatro vezes por mês), ele pediu àquele empresário que arranjasse uma maneira de registrá-lo em carteira, comprometendo-se a continuar fazendo o que sempre fez na rua.
Embora se tratasse de um arranjo estranho, o vizinho procurou ajudá-lo, pois todos merecem a proteção da lei.
Mas aí surgiu o problema: como empregado industrial registrado, o jardineiro passaria a custar mais de R$ 2.200,00 por mês, em decorrência dos encargos sociais aplicáveis a um salário equivalente à sua remuneração mensal (ver quadro).
Na nova conta, a diária passaria para mais de R$ 100,00. Os moradores rejeitaram o aumento e o jardineiro, é óbvio, nem sequer cogitou em renegociar o valor do seu ganho diário para compensar os dispêndios legais.
Conclusão: nada feito. O homem não conseguiu entrar no mercado formal.
O grande problema do Brasil é exatamente o de promover a travessia de milhões de trabalhadores do mercado informal -que já atinge 55% da força de trabalho e não pára de crescer- para um mercado formal que ofereça um mínimo de garantias e cujas despesas fiquem entre zero e 102%.
Os meus críticos dirão que, no exemplo acima, caso o jardineiro viesse a ser registrado, ele teria um aumento do seu "salário indireto", representado pelo 13º, férias, abono de férias, descanso remunerado, etc.
Chamem como quiserem. O fato é que a parcela adicionada (102%) é imposta por lei. É compulsória. E, como tal, é inegociável -o que significa dizer que ela não pode ser trocada por qualidade, produtividade, lealdade, enfim, por nada.
Esse é o problema. A lei brasileira não admite meio-termo. Ou se contrata com todas as proteções, que custam 102%, ou se contrata sem nenhuma proteção, que custa zero.
É uma situação de tudo ou nada, num momento em que a economia moderna demanda liberdade para as partes negociarem livremente o que consideram mais útil para a produção e para o emprego.
Mas, enquanto os acadêmicos debatem terminologia, o Brasil vai mudando, felizmente.
Os acordos celebrados em 1995 sobre jornada flexível, "banco de horas", eliminação do descanso semanal remunerado e o recente acordo dos metalúrgicos de São Paulo foram o início de uma caminhada firme em direção à flexibilização dos encargos sociais.
A legislação também vai mudar. Vai demorar um pouco. Os parlamentares só apoiarão a mudança depois de a lei ter caducado por completo, em decorrência dos flagrantes avanços realizados pelas partes.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar o artigo de ANDRÉ LAHÓZ

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