São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 1996
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Alemão faz arquivo de futebol maior que o da Fifa

ANDRÉ FONTENELLE
DA REPORTAGEM LOCAL

O maior arquivo de estatística do futebol mundial é fruto do esforço de um homem: o alemão Alfredo Põge, presidente da IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística do Futebol).
Põge, 55, preside de sua casa em Wiesbaden (Alemanha) a IFFHS, que reúne 14 "loucos" por futebol do mundo inteiro.
Ele diz que seu arquivo é, hoje, mais completo que o da Fifa, órgão que rege o futebol mundial.
"Os especialistas afirmam que a IFFHS é a única bíblia do futebol mundial", afirma Põge, que começou a colecionar dados sobre jogos aos 10 anos.
Assunto aparentemente inofensivo, a estatística levou Põge a correr risco de vida.
Ele foi ameaçado de morte por um grupo extremista italiano. Afirmou que a Itália de Mussolini deveria perder o título mundial de 1934, por ter escalado estrangeiros irregularmente inscritos.
Põge perdeu os pais durante a Segunda Guerra (1939-1945) e dedicou a infância a duas coisas: jogar futebol e compilar números.
"Era como uma religião. É assim quando você é muito, muito pobre. Não desejo essa vida para ninguém", afirma.
Como jogador, ele chegou à seleção estudantil da antiga Alemanha Oriental. "Marquei mais de mil gols", garante. Uma contusão interrompeu sua carreira.
Põge se formou em medicina, se tornou um especialista respeitado no tratamento do câncer, mas não parou de coletar resultados.
Em 1985, por problemas políticos, teve que fugir para o Ocidente com a família. Um ano antes, fundara a IFFHS, que, hoje, angariou respeito com a publicação de livros, revistas e rankings.
Ele explica o trabalho da federação nesta entrevista, por fax.

Folha - Quais foram as maiores descobertas de sua federação?
Alfredo Põge - Tratamos cada país igualmente. Não fazemos sensacionalismo como os jornais!
Folha - Em que países é mais difícil encontrar dados?
Põge - Todos os países da América do Sul são muito difíceis. Há, talvez, dez países no mundo com o nível exigido pela IFFHS. Não há nenhum com todos os detalhes necessários do período 1900-20, dos quais precisamos para nossa documentação. É sempre um trabalho difícil para nossos membros.
Folha - O sr. afirma que a Itália deveria ter anulado o título mundial de 34, pelo uso de jogadores irregulares. Não arrisca, assim, sua credibilidade?
Põge - Não. O fato é que a Itália jogou 14 vezes com um jogador sul-americano não autorizado.
As regras da Fifa em 1933-34, quanto a jogadores com dupla nacionalidade, diziam: o jogador devia ter três anos completos no novo país e não podia ter jogado pela seleção anterior nesses três anos.
Luis Monti atuou pela Argentina em 4 de julho de 1931 em Buenos Aires, contra o Paraguai (1 a 1). Ele só poderia jogar pela Itália em 5 de julho de 1934 -mas, nesse dia, a Copa havia acabado.
Enrique Guaita jogou em 5 de fevereiro de 1933 pela Argentina, contra o Uruguai (4 a 1). Só poderia jogar pela Itália em 6 de fevereiro de 1936.
O brasileiro Filó jogou pelo Brasil em 1925, mas só chegou à Itália em 22 de julho de 1931, pelo porto de Gênova. Só poderia atuar pela Itália em 23 de julho de 1934. A Copa foi de 27 de maio a 10 de junho daquele ano. Tudo isso é definitivo.
Folha - É verdade que o sr. foi ameaçado de morte por neofascistas, por conta disso?
Põge - Sim, recebi ameaça da "Associazione Politico-Culturale Fiamma Nera". Entreguei o caso à investigação criminal. Lamento, pois a imprensa italiana criou uma polêmica, mas não publicou os fatos que oferecemos. Se tivessem publicado, não haveria nenhum argumento disponível contra a IFFHS. Os italianos apóiam sua história, mas isso foi forjado por Mussolini e seu fascismo.
Folha - A IFFHS deu ao húngaro Puskas o título de "goleador do século". Por que não levou em conta os gols de Pelé pelo Campeonato Paulista, talvez mais forte que o Húngaro?
Põge - Ferenc Puskas bateu o recorde de gols em primeiras divisões nacionais. Pelé não teve sorte, pois não havia campeonato nacional no Brasil até 1970. O Campeonato Paulista era muito forte, mas não era uma liga nacional. Essa é a realidade. Mas Pelé é o maior jogador de todos os tempos.

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