São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 1996
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Ruído e desemprego

ANTONIO DELFIM NETTO

A extraordinária retórica do governo parece mais volúvel do que a personagem do melodrama de Verdi: "La donna è mobile/ Qual piuma al vento/ Muta d'accento -e di pensier".
Há menos de quatro semanas 1996 era o ano da "educação". Hoje é o ano do "emprego". Ah, Deus, quando será o da "exportação"?
Como sempre, é mais fácil produzir "ruído" do que "mensagem". A oposição ameaçava usar o desemprego como sua bandeira. A primeira resposta do governo foi negá-lo: ele não existe!
Depois ela foi se metamorfoseando: ele é estrutural. É universal... É consequência desagradável da abertura!
O interessante é que a oposição também não tem qualquer convicção. Apenas tenta encontrar uma brecha na sólida muralha governamental construída com a "estabilidade".
Os seus argumentos sobre o problema são tão frágeis quanto os do governo: ele é produto do neoliberalismo! "Similia similibus curantur": ruído cura-se com ruído, como prescreve o latinório.
É preciso reconhecer que não existe experiência mundial de política antiinflacionária bem-sucedida que não tenha produzido alguma redução temporária do nível de atividade e de emprego.
Mas é cada vez mais visível que boa parte do desemprego atual (que ajuda na redução da inflação) deve-se a um erro da política econômica. Não à abertura, mas ao câmbio sobrevalorizado. Não à competição leal na agricultura e indústria, mas à sobrevalorização cambial, à redução impensada de tarifas e às mais altas taxas de juros do mundo.
Não porque as importações cresceram muito, mas porque as exportações cresceram pouco, devido à ridícula inversão de causalidade de que, em condições normais de pressão e temperatura, é a taxa de câmbio que produz inflação e não a inflação que produz o câmbio.
Se isso é verdade, por que os preços na Alemanha, Inglaterra, EUA, Itália, França, Austrália, Canadá não flutuam, desde 1973, ao sabor da sua taxa cambial?
Quem ainda tiver dúvida sobre isso não deve perder o artigo de Roberto Chang, "Is a weak dollar inflationary?", publicado na "Economic Review", September/October 1995, do Federal Reserve Bank of Atlanta.
Mas não é preciso ir tão longe. Basta observar o Chile, Israel e os países asiáticos de hoje, ou o Brasil do final dos anos 60 e início dos anos 70, para negar a tese.
Uma das raras relações robustas e duráveis da teoria econômica é a que relaciona as variações entre o nível de desemprego e a variação do nível de produto interno bruto.
Nos EUA, por exemplo, para uma variação de 2%-3% do nível do PIB, há uma variação de sentido contrário da ordem de 1% no nível do desemprego.
Não há, portanto, nenhuma outra alternativa: para reduzir o desemprego o único remédio é um robusto crescimento econômico, e este exige um robusto crescimento das exportações.
A idéia de que se pode combater o desemprego sem modificar os preços relativos dos bens exportáveis, mas apenas manipulando o salário real pela fragilização das relações de trabalho reflete, ao mesmo tempo, uma perversidade moral e uma tolice econômica.

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