São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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'Razão e Sensibilidade' é um filme da razão

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

É a razão quem gosta deste filme. Nada de violência, muita sensibilidade, delicadeza, gestos nobres, senso de humor, alguma beleza de alma. Enfim, tudo que a orientou as indicações ao Oscar deste ano.
Como "Razão e Sensibilidade" adapta um romance de Jane Austen (leia texto abaixo), as coisas melhoram. São os sutis movimentos do coração -e seu confronto com a racionalidade econômica- que estão em jogo. Lá está, enfim, um olhar razoavelmente otimista do mundo, embora permeado de seus dramas.
No mais, há um grupo de atores britânicos de primeira linha envolvidos e uma bela atriz que toma da pena para produzir o roteiro (Emma Thompson).
Por fim, essa visão quase idílica do século 19 inglês coloca em relevo um olhar feminino das coisas (os homens é que estão no pelourinho, de um modo ou outro). De maneira que, também do ponto de vista mercadológico, o filme defende-se com razão.
A sensibilidade, porém, mostra-se mais oscilante. Não no início. Ali, justifica-se a escolha de Ang Lee, de Taiwan, como diretor: a exposição é clara e bem humorada. Mas à medida que o filme evolui surgem algumas arestas indesejáveis.
Tudo envolve uma família com três moças adoráveis, duas delas em idade de casar e sem dote (Elinor/Thompson e Marianne/Kate Winslet). Mas estamos em um momento em que as razões do coração lutam com os arranjos financeiros, na hora do casamento.
Com isso, o filme nos conduz a uma ciranda econômico-amorosa em que nenhuma das noções em jogo se afirma plenamente. Entre família, dote, coração, compromissos, os personagens navegam num mar de instabilidades.
Daqui por diante, Ang Lee já não se mostra um diretor tão ideal quanto parecia no princípio. O filme entra num tipo de evolução que exige do encenador o controle completo da ação, de modo a colocar as ênfases nos lugares certos, levando o espectador a rir ou a chorar, fazendo com que cada alma, na hora certa, se manifeste em sua plenitude.
O filme cambaleia, perdendo por vezes o interesse, quando se desenvolvem as cirandas amorosas envolvendo Elinor e Edward/Grant e Marianne, Willoughby e Brandon. Por fim, o epílogo chega de forma um tanto abrupta, dando a impressão de que o crescendo da ação foi cortado na montagem (o desfecho dos amores de Marianne beira o incompreensível).
Apesar desses senões, "Razão e Sensibilidade" acumula méritos. Um deles é nunca usar de chantagem para influenciar os sentimentos da platéia.
Outro, o notável grupo de atores, em que se destaca Hugh Grant. Grant não foi indicado para o Oscar, é verdade. Mas aí entram novamente a razão e a sensibilidade da Academia: como premiar um sujeito que, embora talentosíssimo, foi pilhado há meses em companhia de uma prostituta?
Enfim, como sempre nos filmes de Oscar, é preciso distinguir o que a lógica da Academia sugere do que é cinema propriamente dito. "Razão e Sensibilidade" começa com a modesta grandeza de um clássico, mas retrai-se, aos poucos, aos cânones acadêmicos.

Filme: Razão e Sensibilidade
Produção: 1995
Direção: Ang Lee
Elenco: Emma Thompson, Alan Rickman, Kate Winslet, Hugh Grant
Onde: a partir de hoje nos cines Belas Artes/sala Niemeyer, Gazetinha, Eldorado 1 e circuito.

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