São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
Texto Anterior | Índice

Discurso sobre a profecia, a fortuna, o banco e a mãe

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Bons dias.
Pertenço, parafraseando o grande Machado, a uma família de gente afortunada, além de profetas "après coup", "post factum", depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês.
Por isso digo, e juro, que a grande obra de estabilização levada a cabo pelo governo estava por mim praticamente prevista. E que decidi, em sinal de confiança, ainda antes de o plano ser considerado "excelente" por tantas ilustres figuras que hoje assim o consideram, abandonar minha doce rotina de "bon vivant" e apostar na atividade econômica. Mais precisamente, na bancária.
Reuni, e os tenho como testemunhas, meus caros amigos para um jantar. No golpe do meio ("coup du milieu"), levantei-me com a taça de champanhe e declarei que, acompanhando os ventos da modernidade, decidira possuir minha própria casa bancária.
Todos aplaudiram meu intuito empreendedor, embora alguns levantassem, discretamente, apreensões. Ainda que beneficiado por boa renda, herdada de parentes mais operosos, não era ela suficiente para adquirir um banco- ponderaram, e com razão. Contei, então, que o lado afortunado da família manifestara-se, definitivamente, em minha feliz encarnação.
Acabara de herdar o grande banco de Josué Gonçalves de Gouveia Sales Pereira e Souza, o tio Jojô, que minha avó criara e, sem herdeiros, no leito de morte, resolvera deixar-me seu famoso negócio-que honrados auditores atestavam estar entre os mais saudáveis e prósperos do país.
Hoje, mais de um ano depois da herança, venho aqui renovar a crença em minhas profecias -e em minha genética fortuna. Embora hoje saibamos que tio Jojô, agora falecido, tratava-se, infelizmente, de um salafrário, autor, como se sabe, de fraudes tão escabrosas que fizeram de minha herança um buraco, não me queixo.
Testemunho que o governo valoriza verdadeiramente o suor dos empreendedores, e que dele obtive a necessária ajuda.
O buraco foi coberto. Posso assegurar a quem queira dedicar-se às lides financeiras que não tema. Os riscos não existem. O governo é uma verdadeira mãe. Que Deus a preserve.
Boas noites.

Texto Anterior: Subsídios aumentaram o preço da terra
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.