São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Carioca só pensa em regressar ao Brasil

DE NOVA YORK

O carioca Marco Aurélio, 38, desconfia que pode morrer a qualquer momento. Portador do HIV desde 1987, ele vive em Nova York há cinco anos e só tem um projeto na vida: voltar ao Brasil.
Há três semanas, ele passou cinco dias na cama, com febre de 42º em seu apartamento de quarto e sala em Manhattan.
Renato, seu irmão sete anos mais novo, e uma gata vira-lata foram suas únicas companhias durante as 72 horas mais críticas de sua vida.
"Achei que fosse morrer. Mas o que me deixou desesperado mesmo foi pensar que iria embora sem ver o Brasil, meus amigos e minha família."
O que impede Marco Aurélio de voltar é o medo de não ter como lutar contra a doença no Brasil por causa do elevado preço dos remédios.
Com problemas gastrointestinais causados pelo vírus e bastante debilitado por uma meningite e duas crises pneumonia, Marco consome US$ 10 mil por mês só com remédios, pagos pelo governo dos EUA.
Além dos medicamentos, ele tem consultas semanais com uma psicóloga e um clínico.
Como não suporta o frio do inverno, um carro do hospital pega e deixa Marco em casa toda vez que ele precisa sair.
Fora as idas ao hospital, Marco só sai de casa às segundas-feiras à noite para ir a um centro espírita no Queens (subúrbio de Manhattan), onde ouve explicações sobre como é a vida após a morte.
Por causa do frio e da debilidade de seu organismo, Marco calcula que tenha passado 80% do inverno em casa.
"Não gostava muito de TV, mas tive que aprender. Vejo filmes em vídeo, talk shows e as novelas brasileiras que minha família manda", disse.
Ele também lê, ouve música e gasta o tempo preparando pratos que não chega a comer.
"Não consigo engolir quase nada porque os remédios me deixam enjoado. Mas cozinhar virou uma terapia. Me dá a ilusão de vida normal, de que estou sendo útil", disse.
Os pratos que prepara são dados para sua gata.

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