São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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nos mares da luz

ANDREA FORNES

O diretor de fotografia Hugh Johnson conta como mudou a cara do cinema de Ridley Scott
Quem assistir ao próximo filme de Ridley Scott, "White Squall", verá que há qualquer coisa de diferente na tela. O responsável pela mudança na estética do diretor de "Os Duelistas", "Chuva Negra" e "Thelma & Louise" chama-se Hugh Johnson e acaba de estrear como diretor de fotografia. Ele já havia trabalhado com Scott antes, nos filmes "Os Duelistas" e "1492 - A Conquista do Paraíso".
"'White Squall' não é sobre as belas cenas de Ridley. A fotografia é diferente da que se espera encontrar em um de seus filmes", diz o irlandês de 47 anos. "Tentei criar um visual mais real, sem glorificação, evitando as imagens cosméticas demais e usando o máximo possível a luz natural. A direção de fotografia não é exagerada."
A melhor tradução para o "squall" do título seria um tornado, fenômeno natural que surge do nada em um momento de calmaria do mar e se transforma em uma tempestade de efeitos devastadores. Ela é branca ("white") porque, da violência das águas, emerge uma parede branca de espuma. Foi um fenômeno como esse que, na década de 60, afundou, num piscar de olhos -exatos 90 segundos-, o navio Albatross.
A bordo dele, estava um grupo de 12 garotos, com idade entre 16 e 18 anos, capitaneados por seu professor em uma escola de navegação dos Estados Unidos, a mulher dele, um cozinheiro e um outro professor.
A viagem, com duração de um ano, serviria para testar, na prática, o que os garotos haviam aprendido na teoria. "É uma história sobre a ingenuidade, sobre meninos que deveriam ter voltado à terra firme como homens", diz Johnson.
A história do filme, que tem Jeff Bridges no papel do capitão levado a julgamento pelo naufrágio, é real e foi contada por um dos sobreviventes no livro com o mesmo título.
Depois de "White Squall", uma produção de US$ 35 milhões que acaba de estrear nos EUA, a dupla Scott & Johnson se prepara para iniciar as filmagens de "GI Jane", com Demi Moore. Entre uma produção e outra ele viajou ao Brasil para visitar sua mulher, Carmo Marchetti Berna Johnson. Aqui, soube da indicação de "O Quatrilho" para o Oscar de filme estrangeiro e elogiou as propagandas de refrigerantes que têm o macaco como estrela.
Você sentiu dificuldade em trabalhar com Ridley Scott, um diretor extremamente rigoroso com a estética?
Uma das marcas de Ridley é a perfeição. Ele é um monstro do cinema visual. Tem um dos olhos mais inacreditáveis que eu já vi porque cria algo a partir do nada. É um visionário. Em 1968, foi o primeiro a mudar o visual dos comerciais para a televisão. Ele fez as imagens parecerem Rembrandt, imagens que as pessoas nunca tinham visto antes na TV. E eu vim da escola dos Scotts (referindo-se a Ridley e a seu irmão Tony, que também é diretor de cinema). Aprendi a técnica deles e a temos experimentado juntos em publicidade desde que nos conhecemos, há 27 anos. Ridley confia em mim.
Fotografia é essencial para se fazer um bom filme?
Esqueça a fotografia. Esqueça os atores. Se o diretor não tiver em mãos um bom roteiro, não conseguirá fazer um bom filme como, por exemplo, "O Carteiro e o Poeta" ou "Leaving Las Vegas". Para mim, são os dois melhores filmes do ano, e o engraçado é que foram dirigidos por europeus (Michael Radford e Mike Figgis, respectivamente). Nada como uma história bem contada.
Você acha que é apenas coincidência os dois filmes terem direção de europeus?
Não é só porque ingleses e americanos falam a mesma língua que eles têm necessariamente a mesma cultura. Atores ingleses deixam os americanos sem ação (Johnson usa a expressão "sitting on their asses").
Haveria uma rixa...
É claro que, sem o cinema americano, a indústria cinematográfica britânica não existiria. Nós dependemos deles (dos americanos). Mas eu não apóio filmes violentos, apesar de gostar deles. A comparação entre cinema americano e europeu poderia ser feita da seguinte maneira: "Razão e Sensibilidade" trata de um tema europeu, enquanto "Pulp Fiction" é um assunto americano. Acho que o cinema já está saturado de violência. Precisamos voltar ao básico. "White Squall" é relaxante. A única violência é a tempestade, que é uma violência natural. O filme tem um pouco da ingenuidade de "A Sociedade dos Poetas Mortos".
Qual a diferença entre dirigir publicidade e cinema?
Os comerciais, por serem mais curtos, são disciplina e treinamento. O cinema é um luxo porque a câmera tem muito tempo. Na TV, a câmera tem pressa para criar as cenas. Publicidade é uma mistura da vontade do cliente, com a do roteirista e a do diretor. Cinema é essencialmente a visão do diretor.
Qual a maior dificuldade para rodar "White Squall"?
Chegamos a enfrentar ondas de até 28 metros (na África do Sul, uma das locações).
Houve momentos de perigo?
Tínhamos combinado com Jeff (Bridges) que ele levantaria a mão quando estivesse em dificuldades. Certa vez, durante uma cena, nós pensamos que ele estivesse acenando para os garotos e ninguém parou porque havia muita água na frente dele. Estava difícil enxergar. Acontece que Jeff estava realmente em perigo e nenhum de nós percebeu. Foi um momento dramático, mas felizmente o incidente não teve consequências graves. Outro problema foi o mar. No primeiro dia de filmagem apenas Ridley, eu e mais um membro da equipe conseguimos superar o mal-estar. O resto da equipe ficou bastante doente.
E depois de "GI Jane"?
Espero dirigir meu próprio filme, no ano que vem.

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