São Paulo, segunda-feira, 4 de março de 1996
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O imposto do cheque e a reforma fiscal

ANTONIO DO VALLE

Há no país uma preocupação generalizada com a complexidade de nosso arcabouço fiscal, a má distribuição da carga tributária e, sobretudo, o seu ônus crescente, em razão dos efeitos negativos em termos do "custo Brasil", da sonegação, do desemprego e da economia informal.
Em 1995, conforme dados oficiais, o peso tributário foi de 30,7% do PIB nas esferas federal, estadual e municipal, representando um acréscimo de 5% sobre a média dos últimos anos.
Isso significou uma redução correspondente do setor privado e dos trabalhadores na repartição da renda nacional, deduzidas as transferências determinadas por lei.
Nosso sistema tributário está preso a um círculo vicioso: as alíquotas são elevadas e, por esse motivo, a sonegação é alta e, porque esta é alta, o governo aumenta as alíquotas ou cria novos impostos, castigando quem produz e estimulando as injustiças, uma vez que a carga é mal distribuída e contribui para a concentração de renda.
Dos 3 milhões de empresas existentes no país, somente pagaram imposto 750 mil no ano passado e um grupo de 500 foi responsável por 52% da arrecadação.
E quanto aos impostos indiretos, a injustiça permanece: quem ganha três salários mínimos gasta 30% em imposto incorporado naquilo que consumiu, e quem ganha 20 salários mínimos gasta apenas 15%.
Intenta-se agora o retorno do IPMF sob o nome de Contribuição Provisória sobre Movimento Financeiro (CPMF), cujo objetivo seria cobrir o rombo da saúde e iria somar-se aos 58 itens já existentes entre impostos, taxas e contribuições, em notória contradição com o discurso simplificador do governo que, na realidade, parece preocupado em perseguir o equilíbrio fiscal para garantir a estabilidade de preços.
Estratégia esta, perigosa, porque a reversão do crescimento econômico pode criar um abismo entre despesas e receitas, que sempre se comportam conforme o desempenho da economia nacional.
Essa preocupação somente com os problemas de caixa explicaria as limitações e o conservadorismo da proposta governamental de emenda ao capítulo tributário da Constituição Federal, tímida tentativa de correção de parte das distorções do sistema tributário, sem afetar a sua estrutura.
Assim, a auditora fiscal Fátima Gondim Farias, da Receita Federal de Fortaleza (CE) enfatizou o espírito conservador do referido projeto.
E depois salientou o fato de a reforma "favorecer a integração competitiva do Brasil na economia mundial desonerando as exportações e simplificando o sistema, sendo explícita a intenção de facilitar a mobilização do capital sem maiores compromissos com os princípios de capacidade contributiva, equidade e suficiência de arrecadação para capacitar o estado a curar suas chagas sociais".
Um imposto sobre operações financeiras só teria sentido se acompanhado de uma redefinição das figuras tributárias, quer dizer, dos setores que arcarão com o financiamento do Estado e do ônus fiscal de cada um.
No Brasil, sempre as elites dirigentes no setor da economia deram as cartas, procurando vantagens fiscais, insensíveis à nossa enorme dívida social.
Devemos lutar por um sistema tributário simplificado (que permita transparência e eficácia), moderno e informatizado (que torne ágil a estrutura da gestão tributária e a fiscalização), racional na alocação de recursos e, acima de tudo, severo na punição aos sonegadores.
O sistema tributário deverá ser socialmente justo (transferindo o ônus aos que podem mais) e não instrumento para proporcionar meios de penalizar a população, quando se tem em mente cobrir a incompetência gerencial dos governos.

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